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Maio
Maio maduro maio
Sol quente raiado
Flores por todo o lado
Um perfume empoeirado
Sardinheiras no beirado do telhado
As abelhas no seu bailado
O sol chega à noite cansado
São muitas horas a aquecer o relvado
As manhãs acordam de peito inchado
A temperatura sobe ao sobrado
E o trânsito ficou bloqueado
Todos querem, nas praias, um bocado
O calor está muito torrado
Excedeu-se no bronzeado
O vento continua calado
Alguém tem de dar conta do recado!
O Orçamento será hoje aprovado
Com a maioria absoluta está tudo controlado
Está bastante atrasado
O do ano que vem já deveria estar a ser gizado
Mas, com tanta inflação não há antevisão
Não vale a pena fazer a previsão
Melhor seria fazer o Orçamento, para o próprio ano, depois do verão
Quando aquece o coração
E os aumentos dos ordenados e das pensões subirão acima de um tostão
Para fazer face ao aumento do pão
Para acabar com a contestação
Mas as greves continuarão!
José Silva Costa
Um inverno diferente
Sem chuva, para um vão contentamento
De muita gente, que não o entende
Este inverno que mente
Que em vez de chuva, nos dá sol
Que nos quer conquistar pelo brilho do anzol
Que nos quer matar à sede
E que quer, que lhe agradecemos, por nos dar sol
E há tanta gente a morder o anzol
A agradecer o bonito e belo sol
Como se não precisássemos de comer e beber
Mas, é tão agradável o teu sol
Sol de inverno!
Que este ano nos levará ao inferno
Sem água! Pessoas, animais e plantas não resistirão
Com trigo sem grão, não haverá pão!
Haver fome, ou não!
Está na tua mão, meu inverno mandrião
Não te deixes envaidecer
Por aqueles que acham que podes ser só sol e amor
Tu tens de fazer chover, nevar, e a todos enregelar
Não és Estação para flores, perfumes, coisas fofinhas, sem dores
Deixa isso, para a tua amante: a Primavera
De ti esperamos rigor, noites quentes à lareira
O cheiro da flor de laranjeira
Não puder passar a ribeira
Ficar no outro lado a ver a água baixar
À espera de poder, a namorada, abraçar
Mesmo que ela fique no escuro da lua.
José Silva Costa
Mazelas da guerra
Continuação
A recompensa
Passados 9 meses, estávamos, de novo, em Luanda
Quando chegámos, acompanhei o Capitão ao Quartel-General, onde nos aguardava um Brigadeiro
O Capitão fez-lhe continência e manteve-se em continência, enquanto ele falava, perguntava o que tinha sucedido ………..
O Capitão manteve-se quedo e mudo, até o Brigadeiro corresponder à continência
Como uma parte da tempestade já tinha passado, o Capitão justificou por que razão foi impossível controlar os condutores civis, tudo acabou em bem
Passámos alguns dias em Luanda, antes de seguirmos para os nossos novos destinos
Acabados os dias de férias em Luanda, saímos em direção ao novo paraíso, numa extensa coluna militar, desta vez, em direção ao Sul
Fomos distribuídos por quatro povoações. Ao meu pelotão coube a bonita Vila do Andulo, terra natal de Jonas Savimbi, líder da UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola
Não podíamos ter sido melhor recebidos, ainda não tínhamos autorização para sairmos das viaturas, já estas estavam rodeadas de civis, o inverso do que tinha acontecido no Norte
Ficámos instalados numa casa civil, nunca apagámos as luzes, porque a produção da barragem era superior ao consumo
Havia uma coabitação harmoniosa entre civis e militares. Eramos convidados para os bailaricos, aos sábados à tarde, na Sociedade Recreativa
O nosso mais famoso futebolista, que não pertencia ao meu pelotão, foi logo cobiçado por o clube de futebol, local. Mas havia um pequeno detalhe, não tinha concluído a quarta classe, tudo se resolveu com a conclusão e a sua inscrição na Federação
Fazíamos patrulhas ao nível de secção, numa das patrulhas vimos uma escola em funcionamento, construída em tijolo, muito arejada, não tinha janelas nem porta, a Professora foi muito amável para connosco, esforçou-se para que os alunos falassem em português, mas poucas palavras disseram
Numa outra patrulha encontrámos um comerciante, cuja camioneta estava atascada, e havia já umas boas horas que esperava que alguém passasse e o ajudasse. Com a ajuda de uma árvore, onde prendemos o guincho da nossa viatura, conseguimos que a camioneta voltasse a andar
Camaradas nossos, também em patrulha, foi-lhes pedido que transportassem uma grávida, cujo parto estava complicado, para uma Missão
Na povoação mais distante do nosso raio de ação, vivia um casal de madeirenses, que tinham um comércio, eram os únicos europeus da povoação. Gostavam muito das nossas visitas, pernoitávamos na casa deles, só nos pediam que lhes levássemos pão.
Um dia, quase ao fechar da loja, entrou uma senhora com um açafate cheio de grãos de café, pedindo que o pesassem.
Fiquei sem saber o verdadeiro objetivo, mas penso que quereria saber, quando trouxesse todo o café, os quilos que tinha a receber
Aquele casal comprava-lhes o que produziam ou pescavam e vendia-lhes o quisessem comprar, ainda lhes arranjavam alguns medicamentos. A povoação ficava perto do rio Quanza
Foram estes poucos e pequenos gestos de humanidade que, quanto a mim, deram alguma recompensação aos nossos sacrifícios
Tantas vidas perdidas, tantos recursos mal gastos, que ainda hoje estamos a sofrer as suas consequências
Aproximavam-se as férias, o mês de agosto na Metrópole, na companhia da filha e da mulher, depois de mais um ano sem as ver, o tempo parecia não passar
Converter angulares em escudos era muito difícil, muitos queriam ter um pé-de-meia na Metrópole, podia-se converter 7.000,00 angulares em escudos, por cada viagem à Metrópole. Assim, abri a minha primeira conta bancária, no único Banco do Andulo, Banco Pinto & Sotto Mayor, que quando foi inaugurado, alguém conseguiu ler: “ branco, tinto e copo maior”, depositei 7.000 angulares e recebi 7.000,00 escudos, em Lisboa
À boleia do Andulo para Luanda, para apanhar o avião, para Lisboa.
Continua
Verão cinzento
Há nuvens negras, neste agosto cinzento
Há quem tenha de trabalhar
Todos os dias, de sol a sol, para angariar o sustento
Há quem viva à conta do Orçamento
Que busque, lá fora, o que não tem cá dentro:
Espetadores, porque as praias têm estado entregues ao tempo
Que tenha forçado um evento
Para uma exibição contra o momento
Que exemplo!
A política deveria ser um exercício exemplar
Mas, tornou-se num espetáculo nojento
Muito pouco compatível com este tempo
Em que, muitos povos, correm de um lado para o outro
À procura de segurança, pão, casa, paz
À procura de um coração que os abrace
À procura de um sítio onde nasça a esperança.
José Silva Costa
Luar ao Sul
Ceifeiras: papoilas ao vento a esvoaçar
Trigueiras, a perfumarem a planície
Cantam, para espantarem as dores
De corpo e faces tapadas, para enfrentarem o calor
Sob um sol escaldante, de foices em riste
Para desafiarem o vento levante
Quantas canseiras, para ver o pão nas eiras!
Mulheres determinadas, que cortam o sol com o regaço
Que sabem todo o circuito do pão:
Alqueivar, gradar, semear, mondar, ceifar, debulhar, limpar, moer, peneirar, amassar, tender,
O forno aquecer, para o pão cozer
Se soubessem, as voltas que a mão dá, até fazer do grão de trigo pão!
Não o estragariam, dando-lhe muita mais atenção
Há multidões de esfomeados, que nunca, o pão, verão
Acabada a ceifa, chega a adiafa, para suavizar o cansaço
Um dos trabalhos mais duros, que mulheres e homens
Enfrentaram, nos campos do Alentejo
Sob um sol ardente, de cortar a respiração!
José Silva Costa
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