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As mazelas da guerra
Continuação
À espera de embarque
Na última semana que estivemos no Umpulo, a PIDE inundou as mesas do nosso refeitório com panfletos a aliciarem-nos para ingressarmos nos seus quadros, com o fim de darmos instrução aos flechas, mas ninguém aceitou tão tentadora oferta
Só reparei no vencimento: 8.000,00 angolares, podendo metade ficar na Metrópole, em escudos. Por dinheiro nenhum ficaria na PIDE, quando regressei tive de aceitar um emprego a ganhar 2.000 escudos
Desde que fui trabalhar para o lugar de frutas e hortaliças, que fiquei a saber o que a PIED fazia Todas as manhãs, alguns dos operários, da Imprensa Nacional, iam ao estabelecimento “ matar o bicho”, e nas noites em que eram visitados, de manhã, diziam-nos quantos é que tinham ido presos
Chegou o tão esperado dia de deixarmos o palco das operações e irmos para um local seguro, onde aguardaríamos o embarque, para regressarmos à Metrópole
Dissemos adeus ao Umpulo, com a alegria estampada nos rostos de quem ia para o paraíso
Voltámos para Nova Lisboa, mas a ansiedade voltou, porque nunca mais chegava a ordem para irmos para Luanda, para embarcarmos, para voltarmos para as nossas casas
Cada um matava os dias como podia, ou fazendo o que mais gostava, como sempre, o futebol tinha muitos adeptos, fazendo com que muitos fossem, todas as noites, jogar futebol de cinco, no Pavilhão Desportivo da Cidade
Uma manhã, quando cheguei ao quartel, informaram-me do horrível acidente, da noite anterior, em que um condutor enfiou um jeep debaixo de um Unimog, também da nossa Companhia, que estava estacionado fora da faixa de rodagem, avariado
O condutor, felizmente, mais uma vez, saiu ileso, já tinha acionado uma mina, tendo sido projetado a 10 ou 15 metros, sem qualquer beliscadura. Mas, naquela noite, o Torres e o Ramos morreram de imediato
O Torres, como era conhecido, por ser da região de Torres Vedras, o nosso melhor futebolista e o Furriel Ramos não resistiram ao embate. Mais 2 mortes num acidente!
Ainda que de noite, mas numa reta, como é que o condutor foi enfiar o jeep na outra viatura, parada, na berma?
Estaria o condutor alcoolizado! Mal dito álcool, que tanto foi usado, para nos anestesiarem.
Do Torres, pouco sei, mas do Ramos, sei que era filho de emigrantes, em França, era funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, estava tão contente, por ter um emprego à sua espera, enquanto muitos de nós tínhamos à nossa espera os nossos familiares
Finalmente chegou o tão esperado dia, saímos de Nova Lisboa para Luanda, onde nos esperava o barco Vera Cruz, foi uma alegria imensa!
Foi ao final do dia, mal o barco se fez ao mar, a Companhia reuniu para o Furriel Enfermeiro nos informar que depois do jantar, nos iria dar vários comprimidos, que nos atordoariam durante 24 horas, mas que era indispensável que os tomássemos, para prevenir futuras doenças, foram 24 horas de agonia, mas deu resultado, durante alguns anos nem um constipado
Dias depois, o barco atracou no Funchal, Ilha da Madeira, foi a primeira saída de passageiros
Os camaradas madeirenses prometeram levar-nos a comer filetes de peixe-espada preto, uma delícia! Depois cada um foi para seu lado, aproveitei para ir ver um pequeno aquário, não muito longe do cais, tive receio de ir para longe, porque tínhamos poucas horas para estar em terra
Mal acabaram de descarregar as bagagens, seguimos viagem, chegámos ao Tejo, numa madrugada, ficámos ao largo. Não consegui dormir, quando amanheceu, começámos a ver a cidade: estava linda, nunca a vira assim!
Assim que o barco atracou, saímos, abraçámos os familiares. E pouco depois fomos transportados para o quartel.
Já não me lembro o que fui lá fazer, os soldados, acho que foram entregar a farda, a minha, como a tinha pago, fiquei com ela, a minha filha mais velha é que acabou com ela, gostava de vestir o blusão e colocar a boina.
Não sei se foi nessa ocasião que nos entregaram a Caderneta Militar. Lembro-me de nos terem dado uma morada para, no caso de adoecermos durante um determinado tempo, nos dirigirmos.
Foi um dia de muitas emoções, tão desejado, despedimo-nos cheios de alegria e felicidade.
Continua
Mazelas da guerra
Continuação
"Nova Lisboa"
No regresso das férias, não me consigo lembrar como cheguei ao Andulo
Não sei se foram as palavras da minha filha, que não me deixavam pensar em mais nada
Lembro-me de ter ido ao Banco, para dar baixa da conta, e o empregado se ter mostrado surpreendido por termos ficado, na Vila, tão pouco tempo
De regresso à guerra, encontrei a Companhia já com o terceiro Capitão, ainda jovem, militar de carreira
Fomos deslocados para a bonita cidade de Nova Lisboa, o melhor sítio, com o melhor clima de todos, onde estive, em Angola.
Situada no Planalto Central de Angola, a quase 2.000 metros de altitude, é a segunda cidade mais fria de Angola
Os soldados ficaram instalados no quartel que existia na cidade, nós tivemos de arranjar onde ficar, à nossa custa
Com um ótimo cinema: o Ruacaná, um bom restaurante: o Himalaia, uma boa biblioteca, onde passei muito tempo a ler as obras de Fernando Namora
Assisti às 6 horas de Nova Lisboa, ganhas pelo nosso primeiro piloto de fórmula 1, Nicha Cabral, que, infelizmente, nos deixou em agosto de 2020
Em Nova Lisboa, fomos mobilizados para participarmos em rusgas a bairros da periferia da cidade
Cercávamos o bairro, às 3 ou 4 da manhã, não podíamos deixar sair ninguém
Aos nascer do dia, 6 da manhã, a Polícia de Segurança Pública começava a bater às portas, para interrogar os habitantes, alguns eram levados para o Governo Civil, ficavam com o dia estragado, podiam ficar presos, faltavam ao trabalho ……
Mas, mais uma vez, foi, apenas, uma passagem, que nem deu para aquecer o lugar
A seguir fomos colocados no Quartel situado num local chamado Umpulo, na margem direita do rio Quanza, onde existia também uma delegação da PIDE, quanto menos gostávamos dela, mais ela se atravessava no nosso caminho
Os Furriéis eram quase todos contra o regime, tínhamos um do Diário de Lisboa, outro da Emissora Nacional, e um dos Alferes tinha sido expulso da Universidade de Coimbra, todos contra a guerra
Aquando das gravações das mensagens de Natal de 1969, cruzamo-nos com uma equipa da RTP, que andava a recolher as mensagens, mas nós não quisemos gravar as mensagens que diziam: “estou bem, adeus até ao meu regresso “
A cidade mais perto do aquartelamento era General Machado, que fica na margem esquerda do Quanza
A ponte de madeira, que nos permitia atravessar o rio, todas as noites era guardada, porque receávamos que a queimassem
Assim, todos os dias uma secção tinha de ir guarda-la, existia uma cabana para dormirem os que não estivessem de plantão.
Uma noite acordaram-me, porque o inimigo estava a atacar, cheguei cá fora, vi uma trovoada, das que só vi em África. Disse-lhes para estarem descansados, porque era o São Pedro, zangado
Numa outra noite, em que era outra secção que estava de serviço à ponte, tiveram a visita
de um hipopótamo, assustaram-se e mataram o animal, que foi rio abaixo até ficar encalhado
Na povoação, mais perto de onde ele encalhou, houve festa, tudo foi aproveitado
Começava a contagem decrescente, não se podia adiar o problema de alguns soldados não terem a quarta classe
Ninguém podia passar à disponibilidade, não tendo a quarta classe, uma maneira de acabar com analfabetismo, que tanto nos envergonhava
Problema que já tínhamos tentado abordar, em Cavalaria 7, aquando da instrução que lhes demos, antes de embarcarmos
O Capitão, de então, nomeou-me para lhes dar aulas, facultativas, após a instrução
Na primeira semana ainda apareceram bastantes, mas, depois foram faltando, aparecendo 3 ou 4, ninguém estava motivado
Só o facto de pensarem que iam para a guerra os desmotivava
O Capitão desresponsabilizou-me da tarefa, dizendo que, em Angola, se resolveria
Para além de não poderem passar à disponibilidade, também queriam aproveitar para tirar a carta de condução
Já tinham arranjado um diploma, à pressa, para que o nosso mais famoso futebolista, cobiçado pelo clube de uma povoação, onde antes tínhamos estado, pudesse ser inscrito na Federação
Pouco jogou, porque não aquecemos o lugar. Infelizmente, viria a morrer num desastre de viação, em Nova Lisboa, quando aguardávamos pelo embarque
Um professor fez-lhes o exame da quarta classe
Uma sala comprida, com um quadro preto, quase do tamanho to topo da sala
Estava cheia, todos sentados a copiarem o que o professor escrevia no quadro
Fui lá espreitar, disseram-me que qualquer pontinho, que o professor não apagasse, também copiavam, a copiar eram bons!
As escolas de condução automóvel acompanhavam-nos, para todo o lado. Todas as povoações, que tivessem militares por perto, tinham uma escola de condução
Assim que fomos para o Umpulo, fui logo, a General Machado, comprar uma carta de condução: linda, profissional, do último modelo, podia conduzir todos os veículos, pesados, ligeiros, com reboque, articulados, motas, só não podia conduzir veículos de transportes públicos. Foi cara, 5.000 angolares, mas era boa
No exame de condução de mota, o examinador disse-me para fazer uns oitos, mas eu estava com medo que ela se assustasse e caísse, fiz um círculo
No exame de condução da camioneta, pediu-me, numa descida, para a parar sem travões, só que ela não obedeceu, e só parou na subida.
Continua
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