Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
2024, Mãe!
Mãe!
Que palavra tão doce
Que colo, abrigo
Que beijos, que paz
Sempre que sonho contigo
Quanto brincas-te comigo?
Que mãe tão amorosa
Nos teus verdes dezoito anos
Os teus peitos eram duas bonitas rosas
Onde saciava a minha fome
O que uma mãe sofre!
Amamentar os filhos até aos dois anos
Com medo que passassem fome
Em terra de muita miséria
De senhas de racionamento
Por causa da guerra
Malditas guerras, sempre as guerras a atormentarem-nos
Uma maldição, a roubar-nos o pão e a vida
Respeitem as mães, que vos criaram, com tanto carinho
Não lhes matem os filhos, em disputas perdidas
Para satisfazerem as vossas ambições desmedidas
Que ganhais com tanta destruição?
Arrasando toda a habitação, construída com o coração
Minando todos os campos, que davam o pão.
Um dia muito feliz, para todas as Mães!
José Silva Costa
As mazelas da guerra
Continuação
O testamento
Como já estávamos habituados a dar proteção na abertura de picadas, lembraram-se de nós, para desta vez, darmos proteção à Engenharia Militar, na abertura de uma estrada
Todos os dias levavam as três máquinas utilizadas na obra, e nós mobilizávamos um pelotão para fazer a proteção
A obra foi interrompida por uns 15 dias, o que fez com que ficássemos preocupados com o recomeço dos trabalhos, porque estávamos com receio, que durante aquele interregno colocassem minas
Coube me, na ausência do Alferes, comandar o pelotão, no dia do recomeço da obra
Combinei com o condutor da Berliet, que iriamos os dois, à frente, seguindo as outras viaturas atrás para, na eventualidade da estrada estar armadilhada, reduzirmos as suas consequências
Assim, decidimos retirar, da carroçaria da viatura, tudo o que não fosse essencial, cobrimo-la com sacos de areia, na tentativa de evitar levar com estilhaços, caso acionássemos alguma mina, felizmente não tinham colocado minas
Quando entrei para a viatura, perguntei ao condutor se já tinha feito o testamento, já tínhamos brincado com o assunto, enquanto estávamos a preparar a viatura para aquela missão, foi uma maneira de tentar desanuviar o ambiente, embora estivéssemos preparados para tudo, não conseguíamos fugir ao nervoso miudinho do medo
Poucos meses depois, a nossa comissão acabou. Depois, da comissão acabar, era muito difícil mantermo-nos motivados para continuar a ir para o mato, todos sentíamos que já tínhamos cumprido a nossa obrigação, só queríamos ir para um lugar seguro, como se houvessem lugares seguros! O queríamos era embarcar para a Metrópole
Os últimos meses tinham sido muito difíceis porque, nós, os graduados, tínhamos tido um aumento do vencimento, mas esqueceram-se de aumentar o vencimento dos soldados, o que causou alguma revolta, e com razão, fazendo com que ouvíssemos: que fossemos sozinhos para o mato.
Continua
Mazelas da guerra
Vinho feito a martelo
Continuação
Como de vez em quando íamos a General Machado, aproveitávamos para saborear o prato preferido e esquecer o rancho e as rações de combate
Um belo dia, estávamos sentados num restaurante, a saborearmos os pregos, quando demos conta, na mesa ao lado, dois senhores revelavam como fazer vinho a martelo, cuja receita era: água, álcool, barro e palha
O barro para dar a cor e a palha o sabor, e temos um vinho que é um amor
De outra das vezes que fomos a General Machado, acompanhou-nos um Sargento, que fez uma paragem numa oficina auto, para pagar um bidon de 200 litros de lubrificante
De seguida mandou-nos subir para a viatura, e eu disse-lhe que faltava carregar o bidon, ao que me respondeu: “não é para carregar agora”
Algum tempo depois, fui à secretaria, tratar já não sei de quê, e o Sargento disse para um Soldado: ” o Furriel Costa, é que podia ajudar aqui na Secretaria”, ao que lhe respondi, que a minha esferográfica era a G3
Quando fui marcar as férias de 1971, ele disse-me: “sabe, acabamos a comissão em agosto, nem todos podemos gozar os 30 dias, só pode gozar 10 dias”
Aproveitei para ir conhecer o Lobito e Benguela. Fui de boleia, de um camionista, de Nova Lisboa ao Lobito, dois mil quilómetros a descer, quase só falámos da situação em Angola, ambos estávamos de acordo que tinha de se encontrar uma maneira de acabar com a guerra
Passámos por uma plantação de cana-de-açúcar, a perder de vista, da Companhia Agrícola do Cassequel, e uma outra de sisal
No Lobito, fiquei alojado na FNAT- Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, era o hotel mais barato
Fiz amizade com dois civis, foram umas férias agradáveis
A temperatura da água do mar devia rondar os 30 graus, ficávamos 3 ou 4 horas dentro de água
Tínhamos o cinema Flamingo, onde todos os dias íamos ao cinema, no salão de entrada estavam em exposição automóveis Japoneses. Junto existia uma colónia de flamingos
O calor era quase insuportável, não conseguíamos dormir, tomávamos banho antes de nos deitarmos, não nos enxugávamos, mas mesmo assim não conseguíamos adormecer
Um dia resolvemos ir dormir para a praia, levámos os lençóis, dormimos como pedras, foi uma experiência maravilhosa
Dedicámos um dia para irmos conhecer Benguela, que não fica muito longe do Lobito
O Lobito tem um porto de águas profundas, um dos melhores de África
No regresso utilizei o Caminho de Ferro de Benguela, construído entre 1903 e 1929, com uma extensão de 1.345 km, atravessa Angola de Este a Oeste
Foram umas 12,13 horas, para vencer a distância entre o Lobito e General Machado. Não sei quantas carruagens puxadas por uma máquina a vapor, em todas as estações carregavam lenha, para alimentar a caldeira
No início utilizaram a floresta autóctone, mais tarde tiveram de fazer plantações de eucaliptos, junto de cada estação.
Enquanto estivemos no Umpulo, fizemos diversas operações, numa delas fomos transportados de helicóptero, nos pumas, não podíamos levar mais de 20Kg de equipamento
Optei por não levar mantas, levei só dois panos de tenda, bem me arrependi
Só conseguia dormir até à meia-noite, enquanto a terra estava quente, depois tinha de me levantar e fazer exercícios pra aquecer
Outros cortaram nos mantimentos, enquanto eu levei um saco de plástico com pão
No último dia da operação, de manhã, quando estávamos a tomar o pequeno-almoço, o Capitão, que já não tinha quase nada para comer, viu o saco com umas migalhas de pão, pediu-mas para fazer umas sopas
Quando os dois helicópteros abordaram o acampamento que íamos atacar, saltámos de uns dois metros de altura, o carregador, da minha G3, saltou da arma, o que prova que o equipamento estava velho e cheio de folgas, valeu-nos o inimigo já se ter ido embora, tinham queimado tudo, ainda havia algum fumo
Era difícil manter as operações em segredo, para mais tínhamos uma povoação por perto
Uma meia-dúzia de miúdos, começou por pedir os restos para comerem, mas com o tempo foram ficando todo o dia no acampamento, lavavam os pratos aos soldados, quem é que não gosta de criados!
Depois, um condutor passou a levá-los, todas as noites, à povoação
Passado algum tempo, a viatura acionou uma mina, e um dos miúdos ficou com os dedos, de uma mão, cortados
Foram feitas algumas prisões, gerou-se um mal-estar, um Furriel, para chamar à atenção, encostou a G3 à face e disparou para o ar, ajudando a desanuviar o ambiente
Nunca mais acionamos nenhuma mina!
As minas são das coisas piores que inventaram. Há muito que falam em proibi-las, mas parece-me que nunca chegarão a acordo
De vez em quando, infelizmente, aparecia alguém com um pé desfeito ou a pedirem-nos para desativarmos minas antipessoal, que tinham detetado
Constituídas por 200 gramas de trotil, um detonador e uma caixa de madeira têm causado tantos mutilados
Angola foi muito martirizada com a “sementeira” de minas antipessoal, ao ponto da Princesa Diana se interessar pelo drama dos mutilados, fomentando e patrocinando o fabrico de próteses, causa, que um dos seus filhos tem continuado a apoiar
Nós, felizmente, nunca acionamos nenhuma mina antipessoal, porque desde a instrução, que todos estávamos bem avisados para nunca utilizarmos trilhos, por muito trabalho que dessem a abrir: cortar a vegetação, com uma catana, para podermos caminhar, era preferível que perder um pé, nem nunca utilizámos os nossos trilhos mais do que uma vez
Os meus camaradas de curso, que tiveram as notas mais baixas, foram os escolhidos para tirarem um curso de minas e armadilhas, em Tancos.
Continua
As mazelas da guerra
Continuação
As férias
Não me consigo lembrar como fui do Audulo para o Alto Hama, ou Alto Uama, o grande entroncamento nacional das rodovias Transnacionais que fazem parte da Rede Rodoviária Transafricana, onde muitos pernoitam, para descansarem das longas viagens
Tenho uma vaga ideia de ter lá dormido, e no dia seguinte ter perguntado se alguém ia para Luanda, e se me dava boleia. Um senhor disse-me que ia para perto de Luanda, e eu disse-lhe que valia mais estar perto que longe
Um bom carro, boa velocidade e uma caçadeira a meu lado. Quando entrei no carro, ainda fiquei um pouco preocupado, sem saber para que serviria a caçadeira
Passados uns bons quilómetros, avistámos um animal, muito ao longe, abrandou e disparou, e mais umas quantas vezes, durante a viagem, sem que tenha acertado, acho que era mais o gosto de disparar
Quando chegou ao destino, vimos uma camioneta carregada de sacos de farinha, ele conhecia o condutor, sem sair do carro, perguntou-lhe se me podia levar, para Luanda
Foi sair do carro, entrar na camioneta, até parecia que estava tudo combinado!
Finalmente, em Luanda, para a minha primeira viagem de avião. Oito horas, das 24 às oito, sobre o Atlântico, porque, devido à guerra, não podíamos sobrevoar os países africanos, foi uma ótima experiência
Em agosto de 1970, de férias na metrópole, ainda as férias iam a meio, recebi uma carta de um camarada, onde me dizia que a nossa Companhia tinha sido mobilizada para uma operação numa zona de minas, mas não eram de petróleo, uma viatura já tinha ido pelos ares
Como estava a preparar o lume, para um churrasco, a carta foi direitinha para o lume, para que não fosse mais uma preocupação para a minha mulher, que nunca soube da receção da mesma
No início das férias já tinha tido um percalço, em Angola nunca tive paludismo, mal cheguei a casa fiquei com paludismo: febre a chegar aos 40 graus, a transpirção era tanta, que a minha mulher estava constantemente a trocar os lencois
Enquanto a médica não veio, pedi-lhe para chamar um enfermeiro, para me dar um injeção que baixasse a febre, já não aguentava mais, uma temperatura tão alta
A médica queria mandar-me para o Hospital Militar, eu não queria passar umas férias, que me custaram uma fortuna, paga a prestações, à TAP, para passar um mês com a mulher e a filha, no Hospital Militar, pedi-lhe que me receitasse uma injeção de resochina, o mais difícil foi encontrá-la, mas foi remédio santo
Ao contrário do que acontecia em Angola, que os dias pareciam meses, os 30 dias férias passaram a correr
Quando me despedi da minha filha, com 20 meses, que dizia, sempre, a quem se despedia dela, “até logo”, foram as palavras que durante mais tempo, mais martelaram a minha cabeça, porque no momento pensei, ou até nunca mais!
Continua
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.