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Amor & guerra (25)
A Bárbara, quando soube da publicação e do conteúdo do livro do General António de Spínola, ficou muito arrependida de ter ficado em Luanda, porque desde que viu como os pais foram assassinados, que nunca mais se sentiu segura, em Angola
Naquela casa, felizmente, mais ninguém tinha visto as barbaridades a que ela assistiu
Por isso, estavam muito mais confiantes que ela, numa transição pacífica, coisa que para ela era impossível, para mais com três movimentos: três galos para um poleiro!
Fosse qual fosse a solução, que a história escolhesse para o fim da guerra contra Portugal, não seria fácil um entendimento entre os três movimentos
Depois de marcado o casamento, no Registo Civil, o Carlos, a Mequilina e o Miguel apanharam camioneta para Vieira do Minho, para informarem, a Mariana e o João, de tantas e boas novidades
Foi uma excelente surpresa, quando viram o Carlos, a caminhar, como se não tivesse nada, acompanhado da Mequilina e do Miguel
Mariana quis saber e ver como funcionava a prótese, porque da última vez, que tinha visto o filho, não se tinha apercebido da amputação, tendo sabido pelo marido
O Miguel começou por informar, os pais, a data do casamento, acrescentando que casariam só pelo Registo Civil
Os pais ficaram um pouco tristes, porque estavam habituados a que todos casassem pela igreja. Mas, devido à circunstância de já terem um filho, aceitaram a decisão dos noivos
De seguida informou-os sobre o emprego, que os ex-patrões da Mequilina lhe tinham arranjado, e o que ia fazer. Só faltava saber para onde iam viver, uma vez que ainda não tinham tido tempo para procurar casa
Tinha de ser uma escolha e uma decisão dos dois. Gostavam de conseguir alugar uma casa, que fosse um lugar agradável, para os três
O casamento foi uma cerimónia simples, até porque não tinham dinheiro para grandes despesas
Gostavam de ficar mais uns dias nas suas terras, com os seus pais, o Miguel queria estar mais tempo com os avós, principalmente os paternos, que mal conhecia
Mas a vida é mesmo assim! Não ficamos onde gostamos, temos de ir à procura duma melhor vida, que até pode ser pior, mas é onde temos possibilidades de obter mais rendimentos, para fazer face às duras dificuldades da vida
Dois dias depois, apanharam o comboio, para Lisboa. O Miguel ficou encantado com a viagem, pela primeira vez, deu atenção à paisagem
Ficaram numa pensão, enquanto não alugaram a casa. Não conseguiram alugar casa, em Lisboa, para onde o Carlos iria trabalhar, tiveram de ir viver para a Amadora, onde as rendas eram mais baixas.
Continua.
Amor & guerra (24)
A 16 de Março de 1974, Duzentos militares, entre eles 33 oficiais, saíram do Regimento de Infantaria nº 5, nas Caldas da Rainha, em direção a Lisboa
A meio caminho foram travados, tendo 11 dos oficiais sido presos, o que fez com que fizesse acelerar os preparativos e antecipar a data da revolução do 25 de Abril, para poderem libertar os camaradas que tinham sido presos
Depois de uma longa viagem, de comboio, o Carlos, chegou, finalmente, a Braga
Tanto tempo sem ver a cidade parecia que estava completamente diferente
Apanhou um táxi, estava ansioso por voltar a abraçar a Miquelina e o Miguel. Também queria conhecer os futuros sogros, a quem queria agradecer terem ajudado, a Miquelina e o Miguel, durante todos os anos em que não pôde ganhar para a família
Quando bateu à porta, e a Miquelina a abriu e o viu, foi uma alegria indiscritível, todos ficaram muito contentes, incluindo os pais da Miquelina
Ela ficou tão feliz, por ver que andava muito bem, com a prótese, quase que não se notava que a tinha
Enquanto a abraçava e beijava confidenciou-lhe que já tinha emprego, que ia pedi-la em casamento, que tinham quinze dias para tratarem tudo, até começar a trabalhar
Os olhos sorriram, como agradecimento, finalmente iam casar-se, acabar com o falatório, por viverem juntos e terem um filho, sem serem casados
Assim que casassem, já não tinham nada a dizer, eram marido e mulher
Há noite, antes de se sentarem à mesa, para o jantar, o Carlos encheu-se coragem e pediu a Miquelina em casamento
Os rostos de Francisca e António brilharam de radiosos, não só lhe deram o consentimento, como elogiaram a filha por ter um bonito noivo
Orgulhavam-se do bonito neto, que já tinham, e vê-los, aos três, tão felizes, era tudo o que ambicionavam
Durante o jantar, informaram os pais de que no dia seguinte iriam, ao Registo Civil, tratar do casamento, para que quando fossem a Vieira do Minho, ver os pais dele, já saberem a data, a fim de preparem a cerimónia, que contaria só com os noivos e os pais
Finalmente, iam dormir juntos, esperaram tanto tempo por aquele momento, tinham tanto que falar, onde é que iam morar, com que dinheiro é que se iriam governar, perguntou, a Miquelina
Carlos sossegou-a, dizendo que lhe tinha sido atribuído uma pensão, pela deficiência que, com o ordenado de telefonista, daria para viverem
Estava tudo bem encaminhado para uma nova vida a três, mas longe dos pais, que iam ficar, novamente, sozinhos, depois de anos com tão boa companhia
Miquelina tinha pena de deixar os pais, que se mostraram tão felizes, por terem a companhia da filha e do neto. Mas não podia fazer nada, o futuro dela, do filho e do marido estava na capital.
Continua.
Antes
Em Abril, a liberdade floriu
Em cada espingarda um cravo vermelho
Militares e povo nas ruas
Para festejarem a queda da ditadura
Que nos governou com mão dura
Com uma feroz censura
E uma assassina Policia Internacional de Defesa do Estado
Coadjuvada por uma rede de informadores
Que nos obrigava, de todos, a desconfiar
Fazendo com que não pudéssemos abrir a boca
Tudo era censurado, cortado, pelo lápis azul
Ninguém podia publicar, representar, fosse o que fosse, sem o exame prévio
Às mulheres estavam vedadas algumas profissões
Noutras, não podiam casar
Não podiam abrir conta no Banco, nem ausentar-se para o estrangeiro, sem autorização do marido
Não tinham direito a voto!
Só tínhamos estudos superiores em três cidades (Lisboa, Coimbra e Porto)
Tínhamos trinta ou quarenta por cento de analfabetos
A guerra, em três frentes ( Guiné, Angola e Moçambique), para além dos mortos e estropiados, era um sugadouro do erário público
Em 1974, tínhamos uma grande parte do país sem água canalizada, sem saneamento, por eletrificar
Não havia autoestradas, as estradas, só de duas faixas, no tempo das férias, as filas eram intermináveis.
O serviço telefónico era manual, concessionado a uma empresa inglesa, telefones de Lisboa e Porto (TLP)
O resto do país era servido pelos CTT
É necessário que os mais jovens se informem, para poderem comparar, o antes e o depois.
Profissões femininas, cujo casamento das profissionais era proibido ou condicionado: enfermeiras, telefonistas, professoras, assistentes de bordo.
«O casamento das professoras não poderá realizar-se sem autorização do Ministro da Educação Nacional, que só deverá concedê-la nos termos seguintes:
1.° Ter o pretendente bom comportamento moral e civil;
2.° - Ter o pretendente vencimentos ou rendimentos, documentalmente comprovados, em harmonia com os vencimentos da professora.»
(Art. 9: do dec. n.• 27:279, de 24-11-936)
As interessadas devem requerer a Sua Excelência o Ministro com fundamento no artigo citado, e juntar ao respetivo requerimento documentos comprovativos
da idoneidade moral e civil, bem como dos vencimentos ou rendimentos do seu noivo.
Os processos respeitantes a pedidos de autorização para casamento de professoras de ensino primário devem ser acompanhados de parecer dos directores dos distritos escolares.
Também é condição indispensável ao deferimento que os pretendentes comprovem a data desde a qual se encontram na situação económica que torna possível a autorização do casamento, bem como a estabilidade que a mesma pode oferecer.
(Da circ. n.• 30-L. 2, de 7-4-937)
Nascimento de uma escola
Estávamos em outubro de 1951.
No monte do Lobato, alguém ofereceu uma casa, para ali nascer uma escola.
Três ou quatro professoras foram ver o local, mas só a última aceitou criar uma escola, numa casa particular: quatro paredes, algumas cadeiras, uma ou duas mesas, nada mais!
A professora era uma jovem muito determinada e apostada em tirar as crianças dos trabalhos no campo, para que aprendessem a ler e escrever. Eram pouco mais de meia dúzia, de várias idades!
Poucos pais tinham a perceção de que mandar os filhos à escola era o melhor para o seu futuro. Eles não tinham ido à escola e conseguiam governar a vida. Portanto, ainda não se tinham apercebido de quanto era importante saber ler e escrever.
Passado um ou dois meses, a professora vendo que não apareciam mais alunos, decidiu ir com eles até ao Monte Santana, para informar os pais, de que era obrigatório mandar os filhos à escola.
A professora à frente, os alunos atrás dela, por um caminho, que ligava as duas povoações, a meio caminho encontraram um homem e o filho a trabalharem numa horta, cumprimentaram-nos, e a professora questionou o senhor, perguntando-lhe se sabia que era obrigatório mandar o filho à escola. O pai do rapaz disse: “Se a senhora lhe der de comer.”
Seguiram para o Monte Santana, onde a professora tentou, junto de mães e pais, sensibilizá-los para a importância de mandarem os filhos à escola.
Numa manhã, por volta das dez horas, uma rapariga pediu à professora para ir lá fora, mas a professora não a autorizou porque estava quase na hora do intervalo, pouco depois a rapariga abriu as pernas e regou a sala de aulas. De seguida a professora mandou todos para o recreio; nem os rapazes, nem as raparigas usavam cuecas: elas usavam vestidos e eles calças ou calções.
Numa manhã de sol radioso, avistaram uma carroça da Câmara Municipal de Mértola, puxada por um macho, conduzida por um funcionário da respetiva Câmara, carregada de material.
O funcionário começou por fixar, na parede norte, o quadro preto, do lado direito penduraram os mapas, por cima do quadro, a meio, colocaram o crucifixo, do lado esquerdo a cadeira e a secretária da professora, no resto da sala as carteiras dos alunos, com os tinteiros brancos incrustados.
Também receberam uma caixa de giz, um globo e umas canetas de madeira com um aparo metálico.
Foi mais um dia inesquecível, no ano do nascimento da escola.
José Silva Costa
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