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Crianças
Oiço o choro das crianças, que estão presas nas guerras
Oiço o choro das crianças, que estão a morrer nas guerras
Oiço a fome e a sede das crianças, envoltas no pó das guerras
Oiço o choro das crinaças, que têm medo
Oiço a aflição das crianças, que não têm um brinquedo
Oiço os gritos das crianças a quem mataram toda a família
Oiço os passos das crianças, que deambulam no som das balas
Oiço o suplício do que estão a fazer a crianças, homens e mulheres
Oiço as crianças a pedirem uns minutos de silêncio para poderem dormir
Oiço as crianças a pedirem tréguas para poderem sorrir
Oiço as crianças a dizerem que ninguém ganha com guerras
Oiço o barulho do tempo perdido nas guerras
Oiço o barulho dos animais e até das feras mortas nas guerras
Oiço o mar revoltado por causa das guerras
Mas, ninguém dá ouvidos a ninguém!
José Silva Costa
Amor & guerra (10)
Com as bonitas palavras do Carlos, a Miquelina ficou muito feliz. Já só sonhava com o dia em que o Carlos saísse da tropa e fossem viver os três
Contava os meses, já não faltavam muitos. Em breve abraçaria o Carlos, e ele conheceria o filho
A Bárbara tinha posto ponto final aquela expetativa de namoro. Não queria voltar a precipitar-se, já bastava o que tinha acontecido com o Carlos, porque estava fragilizada com o desaparecimento dos pais
Mas, ao mesmo tempo estava tão feliz por ter uma filha, linda, único familiar, que esperava fosse uma grande companheira pela vida fora, sangue do seu sangue
Que pena não conseguir contatar com o Carlos, apresentar-lhe aquela linda filha, não saber se estava vivo ou morto, a incerteza moei mais que a morte, quem é que inventou a guerra?!
Tantos jovens, arrancados às suas famílias e terras, treinados à pressa, sem noção nem consciência do que iam fazer, alguns levados pela fé, de que iam defender a sua Pátria, sujeitos a grandes lavagens ao cérebro, ao ponto de os obrigarem a gritar que se fosse preciso matariam os próprios pais
Chegados ao terreno, entregavam-lhes uma arma, balas, granadas
Perdidos, num labirinto, sem um forte código de conduta, respondiam às atrocidades com atrocidades, ainda, maiores
O Carlos escreveu à namorada, dizendo que ia participar noutra grande operação, que poderia durar mais de um mês, que não se preocupasse, que assim que pudesse lhe voltaria a escrever
Mas ela ficou muito preocupada, sempre em operações, era preciso ter muita sorte, para sair, sempre, ileso
“ Tantas vezes o cântaro vai à fonte, até que um dia lá fica”
A Companhia do Januário deixou a Vila, com grande pena da população, que gostava muito do comandante, porque dava muita atenção aos seus problemas. Todos estavam de acordo de que ele fez tudo o que podia para melhorar as suas vidas.
A Bárbara estava esperançada que na nova Companhia viesse um militar, que se encantasse nela e ela nele. Era tão importante encontrar um companheiro, que partilhasse dos seus sonhos, do seu espirito de aventura, que gostasse da sua filha. Por fim dizia: “ Não estarei a pedir demais!”
Queria planear o futuro: vender a loja, ir para Luanda, Lisboa, ou Coimbra. Mas seria mais seguro se tivesse com quem partilhar essa aventura, quem a aconselhasse, quem a aprovasse
Queria tudo do melhor para a Sara: o melhor colégio, a melhor universidade, que para ela era a de Coimbra
Tinha um bom pé-de-meia, em escudos, num Banco, na Metrópole, que herdara dos pais
A Companhia, do Carlos, foi emboscada, com a picada minada e os guerrilheiros escondidos nas bermas da picada
Tiveram mais de uma dezena de mortos e muitos feridos. O Carlos ficou gravemente ferido, tendo sido evacuado de helicóptero para Luanda.
Continua
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