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Santos populares
Ruas embebedadas de fumo de sardinhas assadas
Manjericos com quadras e promessas de amor eterno
Quem quebrar o encantamento vai para o inferno
Alcachofras queimadas, para ver se o amor é correspondido (1)
Com as ruas apinhadas, os moradores acotovelam-se nas sacadas
Ninguém quer perder pitada das ruas engalanadas
Os estrangeiros ficam boquiabertos com as desgarradas
Participam nos bailaricos, não conseguem ficar indiferentes ao apelo daquelas gentes
Entram no ritmo, comem uma sardinha assada, bebem um copo de vinho tinto, e ficam contentes
No mês de junho, Lisboa não dorme, seja rico ou pobre, a noite é de folia
Até à noite de Santo António, todo o tempo é pouco para ensaiar as marchas
Na noite de Santo António as marchas são rainhas, nas outras são as sardinhas
Depois de tantos dias a treinar o ritmo, não há quem os pare
Vão continuar até ao fim do mês, até o São pedro lhes retirar a chave
Não perdem tempo, começam a pensar na marcha do próximo ano
As marchas são uma competição muito renhida
Pela qual são capazes de dar o pão e a vida
Lisboa é uma senhora muito bonita, esbelta, com grandes tradições e muito atrevida
Capaz de encantar e prender até o forasteiro mais esquivo
Com ela, quem não tiver juízo, fica para sempre preso ao seu umbigo
E vai calcorrear as suas colinas, todos os dias, como castigo
Quantos forasteiros, marinheiros, negociantes ficaram a ver navios, pelo postigo!
Sem possibilidades de, um dia, terem um jazigo
Com os olhos posto no panteão luzidio
Acabam por ficar nas ruelas ao vento e ao frio
Sem cheta para pagar a renda ao senhorio
Tem tantos encantos como perigos!
José Silva Costa
(1)
A alcachofra tem o poder de adivinhar a realização do casamento, devendo para isso ser queimada ou chamuscada na véspera do dia 24, à meia-noite, na fogueira de São João - "Em louvor de São João, para ver se fulano me quer bem ou não" - e deixada ao relento, enterrada num vaso. O casamento está garantido se a planta reflorir no dia seguinte. (Infopédia)
Junho
Junho, mês dos Santos Populares
Das marchas e dos manjericos
Dos arrais e dos petiscos
Da sardinha assada e bailaricos
Das férias, da praia e namoricos
Verão, calor, sabor a sal
Um mês de muito sol e alegria
Para receber o verão com toda a energia
Muita folia e magia nas noites quentes
Felizes dias e bons ambientes
Para regozijo das gentes
Mostrando que as sociedades recreativas estão vivas
Que as cidades não estão perdidas
As saudades continuam entretidas
Ao sabor das correrias das vidas
Tão disputadas pelas audienças
Tanta concorrência!
Não faltam bons eventos
O difícil é escolher
Um mês que convida ao lazer
O muito que os nossos olhos querem ver
A impossibilidade de tudo usufruir
As férias porvir
O cansaço já se está a sentir
O descanso demora a sorrir
O verão proporciona convívio e encontros
Matar as saudades e os amigos abraçar.
José Silva Cos
Mazelas da guerra
Continuação
A recompensa
Passados 9 meses, estávamos, de novo, em Luanda
Quando chegámos, acompanhei o Capitão ao Quartel-General, onde nos aguardava um Brigadeiro
O Capitão fez-lhe continência e manteve-se em continência, enquanto ele falava, perguntava o que tinha sucedido ………..
O Capitão manteve-se quedo e mudo, até o Brigadeiro corresponder à continência
Como uma parte da tempestade já tinha passado, o Capitão justificou por que razão foi impossível controlar os condutores civis, tudo acabou em bem
Passámos alguns dias em Luanda, antes de seguirmos para os nossos novos destinos
Acabados os dias de férias em Luanda, saímos em direção ao novo paraíso, numa extensa coluna militar, desta vez, em direção ao Sul
Fomos distribuídos por quatro povoações. Ao meu pelotão coube a bonita Vila do Andulo, terra natal de Jonas Savimbi, líder da UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola
Não podíamos ter sido melhor recebidos, ainda não tínhamos autorização para sairmos das viaturas, já estas estavam rodeadas de civis, o inverso do que tinha acontecido no Norte
Ficámos instalados numa casa civil, nunca apagámos as luzes, porque a produção da barragem era superior ao consumo
Havia uma coabitação harmoniosa entre civis e militares. Eramos convidados para os bailaricos, aos sábados à tarde, na Sociedade Recreativa
O nosso mais famoso futebolista, que não pertencia ao meu pelotão, foi logo cobiçado por o clube de futebol, local. Mas havia um pequeno detalhe, não tinha concluído a quarta classe, tudo se resolveu com a conclusão e a sua inscrição na Federação
Fazíamos patrulhas ao nível de secção, numa das patrulhas vimos uma escola em funcionamento, construída em tijolo, muito arejada, não tinha janelas nem porta, a Professora foi muito amável para connosco, esforçou-se para que os alunos falassem em português, mas poucas palavras disseram
Numa outra patrulha encontrámos um comerciante, cuja camioneta estava atascada, e havia já umas boas horas que esperava que alguém passasse e o ajudasse. Com a ajuda de uma árvore, onde prendemos o guincho da nossa viatura, conseguimos que a camioneta voltasse a andar
Camaradas nossos, também em patrulha, foi-lhes pedido que transportassem uma grávida, cujo parto estava complicado, para uma Missão
Na povoação mais distante do nosso raio de ação, vivia um casal de madeirenses, que tinham um comércio, eram os únicos europeus da povoação. Gostavam muito das nossas visitas, pernoitávamos na casa deles, só nos pediam que lhes levássemos pão.
Um dia, quase ao fechar da loja, entrou uma senhora com um açafate cheio de grãos de café, pedindo que o pesassem.
Fiquei sem saber o verdadeiro objetivo, mas penso que quereria saber, quando trouxesse todo o café, os quilos que tinha a receber
Aquele casal comprava-lhes o que produziam ou pescavam e vendia-lhes o quisessem comprar, ainda lhes arranjavam alguns medicamentos. A povoação ficava perto do rio Quanza
Foram estes poucos e pequenos gestos de humanidade que, quanto a mim, deram alguma recompensação aos nossos sacrifícios
Tantas vidas perdidas, tantos recursos mal gastos, que ainda hoje estamos a sofrer as suas consequências
Aproximavam-se as férias, o mês de agosto na Metrópole, na companhia da filha e da mulher, depois de mais um ano sem as ver, o tempo parecia não passar
Converter angulares em escudos era muito difícil, muitos queriam ter um pé-de-meia na Metrópole, podia-se converter 7.000,00 angulares em escudos, por cada viagem à Metrópole. Assim, abri a minha primeira conta bancária, no único Banco do Andulo, Banco Pinto & Sotto Mayor, que quando foi inaugurado, alguém conseguiu ler: “ branco, tinto e copo maior”, depositei 7.000 angulares e recebi 7.000,00 escudos, em Lisboa
À boleia do Andulo para Luanda, para apanhar o avião, para Lisboa.
Continua
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