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Os negros anos da ditadura
Reedição
Coadjuvada por uma cega censura
Tendo como braço armado a sanguinária PIDE
Auxiliada pelos informadores e os Legionários
Abençoada pela Igreja Católica
Que ao longo dos séculos tem estado, sempre, ao lado dos ditadores
Encobrindo e colaborando nos seus horrores
Onde os veneráveis eram os senhores doutores
O povo na miséria, amordaçado, barbaramente explorado
Por um ditador insensível, obcecado pelo ouro
Em vez de desenvolver o país, para bem do povo
No fim da segunda guerra mundial, viu-se pressionado e envergonhado
Teve receio que, com o movimento para a recuperação da Europa, fosse apeado
Tentou implementar um programa de alfabetização, mas não tinha professores, nem escolas
Criou os postos escolares, entregues a professoras-regentes, apenas com a quarta classe
Que só podiam casar com autorização do Ministro da Educação
A instrução Primária terminava aos doze anos, fosse qual fosse o ano escolar, que se tivesse
Como as escolas levavam tempo a construir, pediram para as famílias cederem casas, para serem utilizadas como escolas
Foi no Monte do Lobato, extremo Sul do Distrito de Beja, em outubro de 1951, com seis anos, acabados de fazer, que as letras e os algarismos comecei a aprender
Numa casa, onde, também, vivia a professora, numa sala com duas mesas e oito cadeiras, dos donos da casa
Só no ano seguinte, em fevereiro ou março, já não sei bem, é que a Câmara Municipal de Mértola mandou a mobília para a escola, transportada numa carroça
Só a terceira professora nomeada, para iniciar aquele posto escolar, aceitou o lugar
Não conseguiu mais do que uma dúzia de alunos, mesmo que tenha ido connosco, pelos campos e montes, dizendo que era obrigatório mandarem os filhos para a escola
As respostas foram sempre as mesmas, de que os filhos tinham de ajudar os pais, nos trabalhos do campo
No ano seguinte, não sei por que motivo, a escola mudou para o Monte da Corcha, acerca de 2 KM, para uma casa, mesmo ao lado da minha, onde conclui a instrução primária
Mais tarde, já eu não morava no Monte, porque assim que fiz a quarta classe, saí de casa dos meus país, para ir trabalhar, construíram uma escola, funcionou poucos anos, porque com o despovoamento do interior, todo o ensino foi deslocado para as sedes dos Municípios.
José Silva Costa
Mazelas da guerra
Continuação
"Nova Lisboa"
No regresso das férias, não me consigo lembrar como cheguei ao Andulo
Não sei se foram as palavras da minha filha, que não me deixavam pensar em mais nada
Lembro-me de ter ido ao Banco, para dar baixa da conta, e o empregado se ter mostrado surpreendido por termos ficado, na Vila, tão pouco tempo
De regresso à guerra, encontrei a Companhia já com o terceiro Capitão, ainda jovem, militar de carreira
Fomos deslocados para a bonita cidade de Nova Lisboa, o melhor sítio, com o melhor clima de todos, onde estive, em Angola.
Situada no Planalto Central de Angola, a quase 2.000 metros de altitude, é a segunda cidade mais fria de Angola
Os soldados ficaram instalados no quartel que existia na cidade, nós tivemos de arranjar onde ficar, à nossa custa
Com um ótimo cinema: o Ruacaná, um bom restaurante: o Himalaia, uma boa biblioteca, onde passei muito tempo a ler as obras de Fernando Namora
Assisti às 6 horas de Nova Lisboa, ganhas pelo nosso primeiro piloto de fórmula 1, Nicha Cabral, que, infelizmente, nos deixou em agosto de 2020
Em Nova Lisboa, fomos mobilizados para participarmos em rusgas a bairros da periferia da cidade
Cercávamos o bairro, às 3 ou 4 da manhã, não podíamos deixar sair ninguém
Aos nascer do dia, 6 da manhã, a Polícia de Segurança Pública começava a bater às portas, para interrogar os habitantes, alguns eram levados para o Governo Civil, ficavam com o dia estragado, podiam ficar presos, faltavam ao trabalho ……
Mas, mais uma vez, foi, apenas, uma passagem, que nem deu para aquecer o lugar
A seguir fomos colocados no Quartel situado num local chamado Umpulo, na margem direita do rio Quanza, onde existia também uma delegação da PIDE, quanto menos gostávamos dela, mais ela se atravessava no nosso caminho
Os Furriéis eram quase todos contra o regime, tínhamos um do Diário de Lisboa, outro da Emissora Nacional, e um dos Alferes tinha sido expulso da Universidade de Coimbra, todos contra a guerra
Aquando das gravações das mensagens de Natal de 1969, cruzamo-nos com uma equipa da RTP, que andava a recolher as mensagens, mas nós não quisemos gravar as mensagens que diziam: “estou bem, adeus até ao meu regresso “
A cidade mais perto do aquartelamento era General Machado, que fica na margem esquerda do Quanza
A ponte de madeira, que nos permitia atravessar o rio, todas as noites era guardada, porque receávamos que a queimassem
Assim, todos os dias uma secção tinha de ir guarda-la, existia uma cabana para dormirem os que não estivessem de plantão.
Uma noite acordaram-me, porque o inimigo estava a atacar, cheguei cá fora, vi uma trovoada, das que só vi em África. Disse-lhes para estarem descansados, porque era o São Pedro, zangado
Numa outra noite, em que era outra secção que estava de serviço à ponte, tiveram a visita
de um hipopótamo, assustaram-se e mataram o animal, que foi rio abaixo até ficar encalhado
Na povoação, mais perto de onde ele encalhou, houve festa, tudo foi aproveitado
Começava a contagem decrescente, não se podia adiar o problema de alguns soldados não terem a quarta classe
Ninguém podia passar à disponibilidade, não tendo a quarta classe, uma maneira de acabar com analfabetismo, que tanto nos envergonhava
Problema que já tínhamos tentado abordar, em Cavalaria 7, aquando da instrução que lhes demos, antes de embarcarmos
O Capitão, de então, nomeou-me para lhes dar aulas, facultativas, após a instrução
Na primeira semana ainda apareceram bastantes, mas, depois foram faltando, aparecendo 3 ou 4, ninguém estava motivado
Só o facto de pensarem que iam para a guerra os desmotivava
O Capitão desresponsabilizou-me da tarefa, dizendo que, em Angola, se resolveria
Para além de não poderem passar à disponibilidade, também queriam aproveitar para tirar a carta de condução
Já tinham arranjado um diploma, à pressa, para que o nosso mais famoso futebolista, cobiçado pelo clube de uma povoação, onde antes tínhamos estado, pudesse ser inscrito na Federação
Pouco jogou, porque não aquecemos o lugar. Infelizmente, viria a morrer num desastre de viação, em Nova Lisboa, quando aguardávamos pelo embarque
Um professor fez-lhes o exame da quarta classe
Uma sala comprida, com um quadro preto, quase do tamanho to topo da sala
Estava cheia, todos sentados a copiarem o que o professor escrevia no quadro
Fui lá espreitar, disseram-me que qualquer pontinho, que o professor não apagasse, também copiavam, a copiar eram bons!
As escolas de condução automóvel acompanhavam-nos, para todo o lado. Todas as povoações, que tivessem militares por perto, tinham uma escola de condução
Assim que fomos para o Umpulo, fui logo, a General Machado, comprar uma carta de condução: linda, profissional, do último modelo, podia conduzir todos os veículos, pesados, ligeiros, com reboque, articulados, motas, só não podia conduzir veículos de transportes públicos. Foi cara, 5.000 angolares, mas era boa
No exame de condução de mota, o examinador disse-me para fazer uns oitos, mas eu estava com medo que ela se assustasse e caísse, fiz um círculo
No exame de condução da camioneta, pediu-me, numa descida, para a parar sem travões, só que ela não obedeceu, e só parou na subida.
Continua
Nascimento de uma escola
Estávamos em outubro de 1951.
No monte do Lobato, alguém ofereceu uma casa, para ali nascer uma escola.
Três ou quatro professoras foram ver o local, mas só a última aceitou criar uma escola, numa casa particular: quatro paredes, algumas cadeiras, uma ou duas mesas, nada mais!
A professora era uma jovem muito determinada e apostada em tirar as crianças dos trabalhos no campo, para que aprendessem a ler e escrever. Eram pouco mais de meia dúzia, de várias idades!
Poucos pais tinham a perceção de que mandar os filhos à escola era o melhor para o seu futuro. Eles não tinham ido à escola e conseguiam governar a vida. Portanto, ainda não se tinham apercebido de quanto era importante saber ler e escrever.
Passado um ou dois meses, a professora vendo que não apareciam mais alunos, decidiu ir com eles até ao Monte Santana, para informar os pais, de que era obrigatório mandar os filhos à escola.
A professora à frente, os alunos atrás dela, por um caminho, que ligava as duas povoações, a meio caminho encontraram um homem e o filho a trabalharem numa horta, cumprimentaram-nos, e a professora questionou o senhor, perguntando-lhe se sabia que era obrigatório mandar o filho à escola. O pai do rapaz disse: “Se a senhora lhe der de comer.”
Seguiram para o Monte Santana, onde a professora tentou, junto de mães e pais, sensibilizá-los para a importância de mandarem os filhos à escola.
Numa manhã, por volta das dez horas, uma rapariga pediu à professora para ir lá fora, mas a professora não a autorizou porque estava quase na hora do intervalo, pouco depois a rapariga abriu as pernas e regou a sala de aulas. De seguida a professora mandou todos para o recreio; nem os rapazes, nem as raparigas usavam cuecas: elas usavam vestidos e eles calças ou calções.
Numa manhã de sol radioso, avistaram uma carroça da Câmara Municipal de Mértola, puxada por um macho, conduzida por um funcionário da respetiva Câmara, carregada de material.
O funcionário começou por fixar, na parede norte, o quadro preto, do lado direito penduraram os mapas, por cima do quadro, a meio, colocaram o crucifixo, do lado esquerdo a cadeira e a secretária da professora, no resto da sala as carteiras dos alunos, com os tinteiros brancos incrustados.
Também receberam uma caixa de giz, um globo e umas canetas de madeira com um aparo metálico.
Foi mais um dia inesquecível, no ano do nascimento da escola.
José Silva Costa
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