Canto I - 90
Não se contenta a gente Portuguesa,
Mas, seguindo a vitória, estrui e mata;
A povoação sem muro e sem defesa
Esbombardeia, acende e desbarata.
Da cavalgada ao Mouro já lhe pesa,
Que bem cuidou comprá-la mais barata;
Já blasfema da guerra, e maldizia,
O velho inerte e a mãe que o filho cria.
106
No mar tanta tormenta e tanto dano,
Tantas vezes a morte apercebida!
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade avorrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida,
Que não se arme e se indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?
Canto II - 44
- «Fermosa filha minha, não temais
Perigo algum nos vossos Lusitanos,
Nem que ninguém comigo possa mais
Que esses chorosos olhos soberanos;
Que eu vos prometo, filha, que vejais
Esquecerem-se Gregos e Romanos,
Pelos ilustres feitos que esta gente
Há-de fazer nas partes do Oriente.
Canto III - 97 (D. Dinis)
«Fez primeiro em Coimbra exercitar-se
O valeroso ofício de Minerva;
E de Helicona as Musas fez passar-se
A pisar de Mondego a fértil erva.
Quanto pode de Atenas desejar-se
Tudo o soberbo Apolo aqui reserva.
Aqui as capelas dá tecidas de ouro,
Do bácaro e do sempre verde louro.
Canto IV - 87
«Partimo-nos assi do santo templo
Que nas praias do mar está assentado,
Que o nome tem da terra, pera exemplo,
Donde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó Rei, que, se contemplo
Como fui destas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio.
Canto V - 5
«Passámos a grande Ilha da Madeira,
Que do muito arvoredo assi se chama;
Das que nós povoámos a primeira,
Mais célebre por nome que por fama.
Mas, nem por ser do mundo a derradeira,
Se lhe aventajam quantas Vénus ama;
Antes, sendo esta sua, se esquecera
De Cipro, Gnido, Pafos e Citera.
Canto VI - 75
A nau grande, em que vai Paulo da Gama,
Quebrado leva o masto pelo meio,
Quási toda alagada; a gente chama
Aquele que a salvar o mundo veio.
Não menos gritos vãos ao ar derrama
Toda a nau de Coelho, com receio,
Conquanto teve o mestre tanto tento
Que primeiro amainou que desse o vento.
Canto VII - 70
«Porque eles, com virtude sobre-humana,
Os deitaram dos campos abundosos
Do rico Tejo e fresca Guadiana,
Com feitos memoráveis e famosos;
E não contentes inda, e na Africana
Parte, cortando os mares procelosos,
Nos não querem deixar viver seguros,
Tomando-nos cidades e altos muros.
Canto VIII - 5
«Ulisses é, o que faz a santa casa
À Deusa que lhe dá língua facunda;
Que se lá na Ásia Tróia insigne abrasa,
Cá na Europa Lisboa ingente funda.»
– «Quem será estoutro cá, que o campo arrasa
De mortos, com presença furibunda?
Grandes batalhas tem desbaratadas,
Que as Águias nas bandeiras tem pintadas!»
Canto IX - 87
Tomando-o pela mão, o leva e guia
Pera o cume dum monte alto e divino,
No qual ũa rica fábrica se erguia,
De cristal toda e de ouro puro e fino.
A maior parte aqui passam do dia,
Em doces jogos e em prazer contino.
Ela nos paços logra seus amores,
As outras pelas sombras, entre as flores.
Canto X - 143
«Podeis-vos embarcar, que tendes vento
E mar tranquilo, pera a pátria amada.»
Assi lhe disse; e logo movimento
Fazem da Ilha alegre e namorada.
Levam refresco e nobre mantimento;
Levam a companhia desejada
Das Ninfas, que hão-de ter eternamente,
Por mais tempo que o Sol o mundo aquente.