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As mazelas da guerra
Continuação
O “passeio” a Almeirim
Aos sábados, para aquecermos, para irmos de fim-de-semana, fazíamos um passeio, em passo de corrida, a Almeirim
Uma manhã, andávamos a marchar nas ruas da cidade de Santarém, passámos por um instruendo do curso de Oficiais Milicianos, que estava parado, em cima duma corda, entre duas árvores, sem conseguir sair dali. Passámos por ele duas vezes, na última, uma velhota parou, virou-se para o instrutor e gritou, com plenos pulmões: “ anda uma mãe a criar um filho, para isto”! ?
No rio Tejo, tínhamos de atravessá-lo numa jangada feita de dois bidons e um estrado de madeira, utilizando dois remos. Uns tempos antes de ir para Santarém, dois militares foram rio abaixo, devido a uma enxurrada, faleceram.
Havia também um sítio onde tínhamos de rastejar com todo o cuidado, porque se nos baixássemos bebíamos a água, se nos levantássemos demasiado, o arame farpado riscava-nos os costados
Outro dos exercícios era patrulharmos as povoações, cerca de 60 a 70 km. Assim, grupos formados por 7 ou 8 elementos, munidos de mapas e bússolas, calcorreavam montes, vales e povoações, tinham de regressar todos, não podendo deixar nenhum elemento para trás
Como não podia deixar de ser, fazia parte da patrulha batizada de “coxos,” por todos termos tido acidentes, e um era muito gordo
A primeira patrulha foi dentro da cidade. Fazia parte do percurso um túnel, onde passavam os esgotos do Hospital. O mais forte não conseguiu passar. A passagem não foi fácil, mas os restantes cumpriram o desafio
As patrulhas eram muito disputadas, porque havia uma taça, que tanto estava na messe dos Oficiais, como na dos Sargentos, dependia de quem fizesse a patrulha em menos tempo
As patrulhas, por terem muitos kms, entravam pela noite dentro, havia obstáculos a transpor, num deles, um elemento do meu grupo, não o conseguia transpor: tratava-se de saltar um desnível de 2 ou 3 metros, tomava balanço, mas quando devia saltar, estacava, à terceira tentativa não o deixei estacar, dei-lhe um encosto. Não podíamos ficar ali todo o dia!
Para além dos obstáculos, também tínhamos postos de controlo, onde recebíamos a senha para a etapa seguinte. Numa das patrulhas tínhamos um posto de controlo junto a uma igreja. As igrejas costuma estar em pontos altos, percorremos a localidade e não conseguíamos encontrar a igreja. Deviam ser umas 2 horas, ouvi uma pessoa tossir, bati na janela e pedi para nos informar onde era a igreja, respondeu-me que era junto ao rio
Numa outra patrulha, já de regresso, 4 ou 5 da manhã, com as botas a pesarem, cada vez mais, caminhávamos m fila indina, na berma da estrada, um camionista parou, o camião não tinha taipais, fez-nos sinal para subirmos, e nós nem pensámos duas vezes, atirámo-nos para cima do camião. Passados alguns minutos, alguém se lembrou que arriscávamos a despromoção, pedimos ao condutor para parar porque tínhamos de sair
Passados 10 ou 15 minutos passou um jeep do controlo, e nós, olha do que nos livrámos!
Chegámos em quarto lugar. Os que já tinham chegado e os que chegaram depois ficaram incrédulos, porque costumávamos ser os últimos. Ainda quiseram averiguar o que se tinha passado, mas mais ninguém ficou a saber o que tinha acontecido
Na última patrulha, perto do Natal, num dia de muito frio e muita chuva, foram num jeep, com garrafões de água-ardente, dar-nos uns cálices, para não entrarmos em hipotermia
Sempre o álcool, tanto para aquecer como para “anestesiar”. Já dizia Salazar: “ beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses”
Com o Natal chegou o fim do curso. Na cerimónia da entrega de galões e divisas, o Comandante da Escola Prática de Cavalaria, no seu discurso disse: “vocês foram os escolhidos, porque o critério são as habilitações literárias, não quer dizer, que no vosso percurso militar, não encontrem soldados tão ou mais capazes de exercerem as vossas funções”
Mandaram-nos escolher três quarteis de Cavalaria, escolhi: Lisboa, Estremoz, Castelo Branco
Fomos uns dias de férias, a 06/01/1969 apresentei-me no Regimento de Cavalaria nº 7, em Lisboa, no primeiro Esquadrão
Uma das missões do Regimento era assegurar a ordem pública. Tínhamos, ainda, alguns carros de combate da segunda guerra mundial, um dia lembraram-se de ver se aquele ferro velho funcionava. Não faltavam extintores, com receio que se incendiassem ou explodissem, alguns não funcionaram
Fui obrigado a recensear-me, pela primeira vez, até aí nunca tinham querido saber do meu voto, e nesse ano também não, porque no dia das eleições, uma rádio angolana noticiou que as tropas estacionadas, no sítio onde estava, tinham votado. Mas, da minha Companhia ninguém votou, porque não nos deram essa possibilidade. Alguém deve ter votado por nós!
Continua
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