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Novo ano

por cheia, em 09.10.20

Mazelas da Guerra

Continuação

 

Novo Ano

O ano de 1970 começa com nuvens muito negras. Tinha chegado aos ouvidos do Comandante de Batalhão, de que, na nossa Companhia, tinham brincado com a religião

Punidos com 5 e 10 dias de prisão, para Capitão e Furriel Vagomestre, respetivamente, por terem brincado com a religião

Tiveram de abandonar a Companhia, tendo a substituição recaído, no caso do Capitão, na escolha de um Capitão já a caminhar para a reforma, que estava a poucos meses de acabar a comissão

Foi um grande choque, já nos tínhamos esquecido do que tinha acontecido

Penso que a escolha, daquele Capitão, teve a ver com o facto de dentro de poucos meses deixarmos aquele acampamento, para irmos para o centro de Angola

Ainda bem que escolheram um militar com muita experiência, porque a viagem, do Norte para Luanda, foi muito atribulada

Em Maquela do Zombo e na fronteira fazia-se muito contrabando

As lojas vendiam de tudo, desde porcelanas chinesas, toalhas de mesa bordadas, artesanato em madeira e marfim, até um sem número de outro objetos, que podíamos comprar, para oferecer às nossas mães, mulheres, namoradas

Não estávamos sensibilizados para o tráfico do marfim, nem para o extermínio dos elefantes, quase todos comprámos pulseiras em marfim, para além de outras peças em marfim e madeira, para oferecermos às nossas amadas

Poucos dias antes da Páscoa, recebemos ordens para nos prepararmos para seguir para Lunada. Sei que foi pela Páscoa, porque no domingo de Páscoa, fui com outros camaradas conhecer a bonita ilha do Mussulo, e comprámos uma melancia

Aproximava-se o dia da partida, tínhamos de levar tudo o que pertencia à Companhia, para isso tinham sido alugados 17 camiões civis

Feitas as contas ao combustível que deveríamos ter utilizado, tínhamos 1.000 litros de gasolina a mais, porque não fizemos tantas operações, quantos os relatórios, foram queimados

Depois de tudo estar carregado, partimos rumo a Maquela do Zombo, primeira paragem obrigatória

Mal parámos, fomos rodeados pela Pide, queriam ver as nossas malas, para verem se levava-mos contrabando

Mas, o Capitão não autorizou que abrissem nenhuma mala, dando ordem para seguirmos para Carmona, onde íamos almoçar

Chegados a Carmona, outra vez a Pide, para verem as malas

O Capitão, que já devia saber as que podiam ser abertas, autorizou que abrissem uma ou duas

Como, daquela cidade, tínhamos duas estradas para chegar a Lunda, uma considerada segura e outra onde poderíamos sofrer emboscadas, que foi a escolhida pelo Capitão, não sei se por ordem do Quartel-General

Assim, antes de irmos almoçar, avisou todos os condutores civis, por onde seguiríamos

Depois do almoço ficámos a saber que alguns condutores já tinham seguido pela outra estrada, fazendo com que o Capitão tivesse ficado muito preocupado, por ter deixado que a coluna se tivesse dividido em duas.

 

Continua 

 

 

 

 

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publicado às 07:59


20 comentários

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De Sandra a 09.10.2020 às 08:57

Mais uma vez, aplaudo a facilidade em colocar todos estes momentos em palavras, a capacidade de recordar nomes, situações e sentimentos dessa época. Muitos parabéns por tudo! Um dia lindo e feliz fim de semana 🙏🌻🌷
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De cheia a 09.10.2020 às 11:40

Muito obrigado pelas palavras encorajadoras!

Um feliz dia e bom fim-de-semana!
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De imsilva a 09.10.2020 às 11:20

É como se tivesses feito parte de um filme. Não temos ideia do que vocês passaram, isso é certo.
Bom fim de semana.
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De cheia a 09.10.2020 às 11:57

Sim. Nós dizíamos que não era uma Companhia de Cavalaria, mas de Circo.

Ninguém sabe o que passámos, porque ninguém se interessa, começando pelos meus familiares.

Feliz fim-de-semana!
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De Existe um Olhar a 09.10.2020 às 13:25

É impressionante como se lembra de todos os detalhes.
Tudo o que conta parecem cenas de um filme.

Tenha um bom dia José
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De cheia a 09.10.2020 às 18:41

Foram momentos que ficaram para sempre.

Bom fim-de-semana
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De Luísa de Sousa a 09.10.2020 às 14:39

Cada vez mais admiro a tua coragem de nos mostrar tudo o que passaram na guerra.

Beijinhos José
Feliz Dia
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De cheia a 09.10.2020 às 18:48

Foram tempos que nos marcaram.

Boa noite
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De MgA a 09.10.2020 às 14:42

Obrigado, por partilhar connosco estas suas experiências.
É muito importante que estas memórias não se percam.
Tenha um bom dia
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De cheia a 09.10.2020 às 19:00

Eu é que agradeço o interesse.

Feliz fim-de-semana
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De MJP a 09.10.2020 às 17:02

Muito Obrigada, José!
É um privilégio poder ler estes seus relatos!
Bom fim-de-semana!
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De cheia a 09.10.2020 às 19:03

Muito obrigado pelo interesse.

Feliz fim-de-semana
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De Francisco Carita Mata a 10.10.2020 às 16:45

Acho muito interessantes estas descrições sobre a guerra colonial ou guerra do ultramar, relatados na primeira pessoa.
Suscitam-me questões, pois fui dos felizardos que já não vivi a guerra, pois ocorreu o “25 de Abril”.
“Mal parámos, fomos rodeados pela Pide, queriam ver as nossas malas, para verem se levávamos contrabando.”
A presença da PIDE era marcante na guerra? Isto é, fazia sentir a sua importância no dia-a-dia da guerra?
E, já agora, que posto ocupava e quantos anos tinha, quando esteve na guerra?
Desculpe a curiosidade e Obrigado!
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De cheia a 10.10.2020 às 17:12

A PIDE não só estava sempre presente, como treinava os Fechas, que erma indivíduos treinados para se infiltrarem nos acampamentos do inimigo.
Nos últimos dias de comissão, deixaram, no nosso refeitório, panfletos aliciando-nos para ingressarmos nos seus quadros, com a finalidade de darmos instruções aos flechas, com o aliciante vencimento de 8.000,00 escudos. Nenhum aceitou.
Era Furriel Miliciano e estive na guerra dos 24 aos 26 anos.
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De Francisco Carita Mata a 11.10.2020 às 12:32

Muito Obrigado pelos seus esclarecimentos. E muita Saúde!
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De cheia a 11.10.2020 às 15:16

Muito obrigado. Agradeço o interesse demonstrado.

Feliz semana!
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De Alice Alfazema a 11.10.2020 às 12:03

Olá José, que memórias tão vividas e contadas sem fantasias, numa narrativa crua que nos leva até essas paragens sem grande esforço, e que entretanto, nos faz questionar o que se passou a seguir. Não tinha noção que a PIDE também operava por aí. (aproveite e ponha no papel tudo isto, eu quero um autografado)

Beijinhos
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De cheia a 11.10.2020 às 15:14

Olá, Alice! Muito obrigado pelo seu apoio. Para já, ainda não penso nessa hipótese. Acho que as pessoas ainda não estão preparadas para saberem o que se passou.
A PIDE estava em todo o lado, e em Angola treinava os Flechas, indivíduos treinados para se infiltrarem nos acampamentos do inimigo.

Boa semana

Beijinhos
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De HD a 11.10.2020 às 22:59

Que magnífica partilha de momentos reais e inesquecíveis!
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De cheia a 11.10.2020 às 23:26

Sem dúvida! Muito obrigado.

Boa semana

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