Voltar ao topo | Alojamento: Blogs do SAPO
Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Mazelas da guerra
Continuação
"Nova Lisboa"
No regresso das férias, não me consigo lembrar como cheguei ao Andulo
Não sei se foram as palavras da minha filha, que não me deixavam pensar em mais nada
Lembro-me de ter ido ao Banco, para dar baixa da conta, e o empregado se ter mostrado surpreendido por termos ficado, na Vila, tão pouco tempo
De regresso à guerra, encontrei a Companhia já com o terceiro Capitão, ainda jovem, militar de carreira
Fomos deslocados para a bonita cidade de Nova Lisboa, o melhor sítio, com o melhor clima de todos, onde estive, em Angola.
Situada no Planalto Central de Angola, a quase 2.000 metros de altitude, é a segunda cidade mais fria de Angola
Os soldados ficaram instalados no quartel que existia na cidade, nós tivemos de arranjar onde ficar, à nossa custa
Com um ótimo cinema: o Ruacaná, um bom restaurante: o Himalaia, uma boa biblioteca, onde passei muito tempo a ler as obras de Fernando Namora
Assisti às 6 horas de Nova Lisboa, ganhas pelo nosso primeiro piloto de fórmula 1, Nicha Cabral, que, infelizmente, nos deixou em agosto de 2020
Em Nova Lisboa, fomos mobilizados para participarmos em rusgas a bairros da periferia da cidade
Cercávamos o bairro, às 3 ou 4 da manhã, não podíamos deixar sair ninguém
Aos nascer do dia, 6 da manhã, a Polícia de Segurança Pública começava a bater às portas, para interrogar os habitantes, alguns eram levados para o Governo Civil, ficavam com o dia estragado, podiam ficar presos, faltavam ao trabalho ……
Mas, mais uma vez, foi, apenas, uma passagem, que nem deu para aquecer o lugar
A seguir fomos colocados no Quartel situado num local chamado Umpulo, na margem direita do rio Quanza, onde existia também uma delegação da PIDE, quanto menos gostávamos dela, mais ela se atravessava no nosso caminho
Os Furriéis eram quase todos contra o regime, tínhamos um do Diário de Lisboa, outro da Emissora Nacional, e um dos Alferes tinha sido expulso da Universidade de Coimbra, todos contra a guerra
Aquando das gravações das mensagens de Natal de 1969, cruzamo-nos com uma equipa da RTP, que andava a recolher as mensagens, mas nós não quisemos gravar as mensagens que diziam: “estou bem, adeus até ao meu regresso “
A cidade mais perto do aquartelamento era General Machado, que fica na margem esquerda do Quanza
A ponte de madeira, que nos permitia atravessar o rio, todas as noites era guardada, porque receávamos que a queimassem
Assim, todos os dias uma secção tinha de ir guarda-la, existia uma cabana para dormirem os que não estivessem de plantão.
Uma noite acordaram-me, porque o inimigo estava a atacar, cheguei cá fora, vi uma trovoada, das que só vi em África. Disse-lhes para estarem descansados, porque era o São Pedro, zangado
Numa outra noite, em que era outra secção que estava de serviço à ponte, tiveram a visita
de um hipopótamo, assustaram-se e mataram o animal, que foi rio abaixo até ficar encalhado
Na povoação, mais perto de onde ele encalhou, houve festa, tudo foi aproveitado
Começava a contagem decrescente, não se podia adiar o problema de alguns soldados não terem a quarta classe
Ninguém podia passar à disponibilidade, não tendo a quarta classe, uma maneira de acabar com analfabetismo, que tanto nos envergonhava
Problema que já tínhamos tentado abordar, em Cavalaria 7, aquando da instrução que lhes demos, antes de embarcarmos
O Capitão, de então, nomeou-me para lhes dar aulas, facultativas, após a instrução
Na primeira semana ainda apareceram bastantes, mas, depois foram faltando, aparecendo 3 ou 4, ninguém estava motivado
Só o facto de pensarem que iam para a guerra os desmotivava
O Capitão desresponsabilizou-me da tarefa, dizendo que, em Angola, se resolveria
Para além de não poderem passar à disponibilidade, também queriam aproveitar para tirar a carta de condução
Já tinham arranjado um diploma, à pressa, para que o nosso mais famoso futebolista, cobiçado pelo clube de uma povoação, onde antes tínhamos estado, pudesse ser inscrito na Federação
Pouco jogou, porque não aquecemos o lugar. Infelizmente, viria a morrer num desastre de viação, em Nova Lisboa, quando aguardávamos pelo embarque
Um professor fez-lhes o exame da quarta classe
Uma sala comprida, com um quadro preto, quase do tamanho to topo da sala
Estava cheia, todos sentados a copiarem o que o professor escrevia no quadro
Fui lá espreitar, disseram-me que qualquer pontinho, que o professor não apagasse, também copiavam, a copiar eram bons!
As escolas de condução automóvel acompanhavam-nos, para todo o lado. Todas as povoações, que tivessem militares por perto, tinham uma escola de condução
Assim que fomos para o Umpulo, fui logo, a General Machado, comprar uma carta de condução: linda, profissional, do último modelo, podia conduzir todos os veículos, pesados, ligeiros, com reboque, articulados, motas, só não podia conduzir veículos de transportes públicos. Foi cara, 5.000 angolares, mas era boa
No exame de condução de mota, o examinador disse-me para fazer uns oitos, mas eu estava com medo que ela se assustasse e caísse, fiz um círculo
No exame de condução da camioneta, pediu-me, numa descida, para a parar sem travões, só que ela não obedeceu, e só parou na subida.
Continua
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.