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Mazelas

por cheia, em 14.08.20

As mazelas da guerra

Fui desafiado, pela amiga Alice Alfazema, para partilhar, o que chamo de  mazelas da guerra

Ainda que seja muito penoso, mesmo depois de meio século, das mazelas da guerra falar! Vou tentar, convosco partilhar, as peripécias, de que, ainda, me consiga recordar.

As mazelas da guerra será uma rubrica, que vou tentar publicar à sexta-feira

                                                              

  A Partida

 

Portugal desaguou em Lisboa, no cais da Rocha de Conde de Óbidos, o sol não raiou, a lua perdeu o brilho e a beleza, tudo estava coberto de tristeza

O monstro dormiu no cais, ao contrário dos de mais, que não dormiram em nenhum lado, tudo ficou acordado, à espera da partida, do último abraço, do último beijo, do último ai

Pais, mães, esposas, irmãs, namoradas, tias, tios, amigas, amigos, unidos no último adeus, para alguns, com a certeza e na incerteza de quem eram os que, nunca mais, voltariam aos cais

As mães apertavam os filhos, como que querendo escondê-los, novamente, no seu ventre

O monstro urrou, a avisar, para que desatassem as amarras e os militares entrassem para o seu interior, a maré subiu devido às lágrimas derramadas

As mães assustaram-se, abriram os braços, e os seus filhos correram para o barco

Desatadas todas as amarraras: as humanas e as materiais fizemo-nos ao mar

Perdemos o Tejo, deixámos para trás a formosa, bela e fresca Sintra

Entrámos no Oceano Atlântico

Passadas vinte e quatro horas entrávamos no porto do Funchal, para, também, da Pérola do Atlântico, os seus filhos, levar

Só permitiram que nos ausentasse-mos por quatro horas, enquanto acabavam de saciar o monstro

Só deu para pouco apreciar, daquele lindo jardim, no meio do mar, plantado

Depois de muito lotado, os soldados bem se queixavam, os que tinham as camas colocadas junto às chaminés, onde era impossível dormir, devido ao calor, voltámos ao mar

O paquete Vera Cruz tinha sido adaptado para que, a maior quantidade de carne para canhão, pudesse levar

De novo no mar, foi só acelerar, numa feroz competição com a NASA, para ver quem chegaria primeiro, se nós a Lunda, se os astronautas à lua para aterrar

Infelizmente, mais uma vez, perdemos.

José Silva Costa

                                                       continua

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publicado às 07:59


21 comentários

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De cheia a 14.08.2020 às 08:15

@Alice Alfazema
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De Alice Alfazema a 22.08.2020 às 17:59

Olá José, só agora cheguei aqui, desculpe. Essa ligação de alice não vai dar ao meu blogue, penso que o meu seja @alicealfazema. Que bom que começou a escrever sobre esta etapa da sua vida, é bom dar a conhecer na 1ª pessoa um pedaço da nossa História que foi esquecida por vários motivos, entre eles o propósito.

Quero deixar aqui aquele texto que escreveu para o meu blog, é para mim o começo desta sua aventura neste relato de "Mazelas", um texto que gosto muito e que vou guardar com carinho.

"Foi a última etapa da preparação para a Guerra Colonial, em 1969, antes de ir para Angola.

Fado
Foi na bela Serra da Arrábida, que me coube a conclusão
Da dura preparação, para a guerra, onde não queria a minha inclusão
Nela, acampamos por umas semanas
Lá no cimo, por cima do Portinho da Arrábida
Recusei-me a nascer antes da guerra acabar
Acabaram por, para a guerra, me mandar
Contra tudo o que fiz, para não embarcar
Numa manhã de Julho, domingo, quando as pessoas, à praia, estavam a chegar
Fizeram-nos, da Praia dos Galapos, a serra trepar, na vertical
Que Bela Serra, a da Arrábida, e a sua linda Cidade de Setúbal!
Onde na sua bela avenida, nos fizeram desfilar
Para recebermos os aplausos da despedida
De tão nobre povo que, de braços abertos, nos acolheu
Foi um ato muito triste, doloroso e honroso
Por ser, por irmos, para a guerra.

Parafrasear Bocage
Bocage, grande Bocage
O meu fado não é semelhante ao teu
Quando os cotejo
Mas, igual causa nos fez perder o Tejo."

Aqui fica também a ligação para contextualizar:https://alicealfazema.blogs.sapo.pt/cha-com-violetas-3-1263664


Um Abraço.



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De cheia a 22.08.2020 às 18:56

Muito obrigado por esse carinho e por ter publicado este texto que, como diz, ajuda a contextualizar estas mazelas.
Mazelas que estou a escrever recorrendo à memória, sem quaisquer notas, porque na altura, o que queria era esquecer-me de tudo.
Mas não está a ser fácil, mesmo depois de meio século, não consigo conter as lágrimas.
Boa noite
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De imsilva a 14.08.2020 às 08:50

Uma história de vida, dentro da história do mundo.
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De cheia a 14.08.2020 às 15:48

Foram tempos de grandes avanços tecnológicos.

Bom fim-de-semana!
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De Luísa de Sousa a 14.08.2020 às 13:59

Que relato José
Espero pela continuação
A minha mãe viajou no "Vera Cruz" quando tinha 13 anos (hoje tem 90 anos)

Beijinhos
Feliz Dia
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De cheia a 14.08.2020 às 15:40

Nunca imaginei que a sua mãe também tivesse viajado no "Vera Cruz", há quase 80 anos.
Muito obrigado, por estar interessada na continuação.

Um resto de dia muito feliz!
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De MJP a 14.08.2020 às 15:33

Dolorosas memórias, José! :(
Muito Obrigada pela partilha!
Resto e dia Feliz!
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De cheia a 14.08.2020 às 15:59

Muito obrigado!
Recordar é viver, neste caso, alguns episódios traumáticos.

Um feliz fim-de-semana!
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De Existe um Olhar a 14.08.2020 às 19:20

Gostei muito desta partilha e do seu testemunho.

Bom fim de semana
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De cheia a 14.08.2020 às 20:08

Muito obrigado!

Também lhe desejo um bom fim-de-semana.
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De jabeiteslp a 15.08.2020 às 10:54

Momentos de outros tempos José
que com ou sem fé
houve regresso
que penso pelo próprio pé

Um bom fim de semana com alegria em dia
pra vocês.
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De cheia a 15.08.2020 às 14:52

Sim! Felizes dos que regressaram pelo seu pé e sem traumas, como eu.

Tudo de bom e alegria, para vocês.
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De Existe um Olhar a 18.08.2020 às 21:21

Vim desejar uma boa noite e partilho as minhas amêijoas
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De cheia a 18.08.2020 às 21:43

Muito obrigado!

Boa noite
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De Milorde a 30.08.2020 às 10:48

Que bonito, que prosa! Quero ler tudo.
Um bom domingo
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De cheia a 30.08.2020 às 14:37

Muito obrigado, pelas amáveis palavras!

Uma boa semana
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De Sarin a 18.02.2021 às 17:12

Muito obrigada pela partilha, José!
Não devemos, não podemos deixar por contar as lágrimas e as esperanças da juventude amadurecida numa guerra tão profundamente nossa e tão profusamente celebrada por aqueles que a louvaram. Que a louvam ainda, bêbedos de um Império que também a nós maltratou.
Oxalá sejam suaves, as suas mazelas.
Recordo o postal com que visitou a @alicealfazema, suponho que terá sido aí que o desafio foi feito :) Ainda bem que foi feito e respondido. Anseio a continuação.

E deixo uma sugestão: coloque a tag mazelas, ou mazelas da guerra, para que possamos ler todos os textos seguidos. Como merecem.

Uma beijoca, caro José de tantas longínquas luas mas sempre Lua Cheia de inspiração :)
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De cheia a 18.02.2021 às 17:38

Agradeço o interesse. Os postais, mazelas da guerra, estão todos publicados e seguidos, no blog socieadeperfeita.
Agradeço a sugestão, mas como já estão publicados, não sei se há algo que possa fazer, para que melhor os possam ler.

Beijinhos
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De Anónimo a 19.02.2021 às 00:05

Feliz por saber que voltou são e salvo à encantadora vila de Sintra.
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De cheia a 19.02.2021 às 08:42

Muito obrigado pelas amáveis palavras!

Feliz fim-de-semana!

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