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A Sentença

por cheia, em 25.12.20

As mazelas da guerra

Continuação

A sentença

Uns três meses depois fui nomeado para servir no Ultramar, nos termos da alínea c/ art.3º Dec. nº 48937 de 1960, com destino à Região Militar de Angola

Naquele momento, Angola era, dos três teatros de guerra, como gostam de dizer, o menos perigoso

Estava traçado o nosso destino. Foram criadas duas Companhias. Recebemos os soldados para lhes darmos a especialidade e embarcarmos

Todos os dias calçada da Ajuda acima e abaixo, de Monsanto ou para Monsanto, onde eram ensinadas as táticas de combate. No Regimento de Lanceiros 2, onde estava instalada a Polícia Militar, tínhamos a pista de obstáculos

No Quartel da Serra da Carregueira fizemos fogo real, na Fonte da Telha, mais uns dias de preparação, onde um rapaz, da zona de Viseu, levou sabão para se lavar no mar, e os outros se riram. Mais um que, infelizmente, nunca tinha visto o mar, com se fossemos um país com pouco mar!

A seguir fomos para a Serra da Arrábida. Ficámos adstritos ao Regimento de Infantaria nº 16, onde, acho que dormimos uma noite

Mas antes de irmos para a Serra da Arrábida, ainda fui mobilizado para desfilar no 10 de Junho de 1969, como porta-bandeira

Nessa altura, o 10 de Junho era sempre comemorado na Praça do Comércio, terminando com um desfile até à Praça da Figueira

Para ensaiarmos o desfile, tivemos de ir um dia ao Regimento de Comandos, na Amadora

Desfilei com o Estandarte duma Companhia, que serviu em Moçambique, e segundo me informaram morreram lá, quase todos

No início de Julho estávamos aptos a seguir para Angola. Mas, antes de embarcarmos desfilámos na bonita avenida Luísa Todi, em Setúbal, para que todos se despedissem dos jovens do país, vendo que partiam saudáveis, regressando estropiados, ou mortos, consumidos numa guerra sem sentido

O Bocage desejou-nos boa sorte e ofereceu-nos este soneto

 

Camões, grande Camões, quão semelhante

Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!

Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,

Arrostar co`o sacrílego gigante;

 

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,

Da penúria cruel no horror me vejo;

Como tu, gostos vão, que em vão desejo,

Também carpindo estou, saudoso amante.

 

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura

Meu fim demando ao Céu, pela certeza

De que só terei paz na sepultura.

 

Modelo meu tu és, mas … Oh, tristeza! …  

Se te imito nos transes da Ventura,

Não te imito nos dons da Natureza.

 

Como eles, também nós iriamos, dentro de dias perder o Tejo, alguns, para sempre, só voltando a ele, nas urnas de chumbo.

A resposta à pergunta daquela velhota que, em Santarém, perguntava se era para aquilo que uma mãe andava a criar um filho, poderia nunca ter chegado. Mas, felizmente, chegou na madrugada de 24 para 25 de Abril de 1974, quando O Movimento das Forças Armadas solicitou que os militares da Escola Prática de Cavalaria, com os carros de combate, avançassem para Lisboa

Foi nessa noite memorável que, o Capitão Salgueiro Maia fazendo jus à divisa, “O Exército é o Espelho da Nação”, mandou os militares formarem na parada, para lhes perguntar quem é que o queria acompanhar a Lisboa, onde iriam derrubar uma ditadura de meio século, para entregarem o poder ao povo

Pena é que muitos não tenham percebido esse gesto de generosidade de muitos militares, que cansados da guerra, decidiram pôr lhe fim, arriscando as suas vidas, e continuem a não utilizar a arma que eles lhe entregaram: o voto

Treze anos de guerra sem fim à vista!

Os políticos continuavam no “orgulhosamente sós”

O General António de Spínola foi nomeado, em 1968, Governador-Geral e Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné-Bissau. A sua ambição era conquistar as populações com melhorias económicas e sociais, mas não teve êxito

Regressou em 1973, publicou o livro “Portugal E o Futuro,” onde defende uma República Federal, dando como exemplo a Alemanha e o Brasil

Na 3ª edição, de Março 1974, página 199, “ a unidade nacional consistira então em ali continuarmos impondo a nossa lei pela força das armas. Ora, não só tal hipótese repugna à moral comum como não é sequer viável”

No dia 25 de Abril de 1974 foi indicado, pelo Movimento das Forças, para negociar a rendição do Professor Marcelo Caetano

O seu mandato de Presidente da República foi curto, de 15/5 a 30/09/1974, porque a sua defesa do federalismo chocou com o que defendiam o Movimento das Forças Armadas e os Movimentos de Libertação das Colónias

Há quem condene a maneira como a descolonização foi feita. Acho que depois do 25/04/1974, não havia condições para fazer melhor

Se durante 13 anos não conseguimos ganhar a guerra, como é que impúnhamos as nossas condições aos Movimentos de Libertação, quando já não conseguíamos que os militares pegassem nas armas, recusando-se a embarcar, para Angola, no aeroporto de Lisboa?

Continua

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publicado às 08:40


1 comentário

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De Luísa de Sousa a 25.12.2020 às 18:59

Mais uma memória tua José, que não deve nunca ser apagada
Que relato!!!!
Gostei muito

Beijinhos
Feliz Natal

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