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À espera de embarque

por cheia, em 27.11.20

As mazelas da guerra

Continuação

 

À espera de embarque

Na última semana que estivemos no Umpulo, a PIDE inundou as mesas do nosso refeitório com panfletos a aliciarem-nos para ingressarmos nos seus quadros, com o fim de darmos instrução aos flechas, mas ninguém aceitou tão tentadora oferta

Só reparei no vencimento: 8.000,00 angolares, podendo metade ficar na Metrópole, em escudos. Por dinheiro nenhum ficaria na PIDE, quando regressei tive de aceitar um emprego a ganhar 2.000 escudos

Desde que fui trabalhar para o lugar de frutas e hortaliças, que fiquei a saber o que a PIED fazia Todas as manhãs, alguns dos operários, da Imprensa Nacional, iam ao estabelecimento “ matar o bicho”, e nas noites em que eram visitados, de manhã, diziam-nos quantos é que tinham ido presos

Chegou o tão esperado dia de deixarmos o palco das operações e irmos para um local seguro, onde aguardaríamos o embarque, para regressarmos à Metrópole

Dissemos adeus ao Umpulo, com a alegria estampada nos rostos de quem ia para o paraíso

Voltámos para Nova Lisboa, mas a ansiedade voltou, porque nunca mais chegava a ordem para irmos para Luanda, para embarcarmos, para voltarmos para as nossas casas

Cada um matava os dias como podia, ou fazendo o que mais gostava, como sempre, o futebol tinha muitos adeptos, fazendo com que muitos fossem, todas as noites, jogar futebol de cinco, no Pavilhão Desportivo da Cidade

Uma manhã, quando cheguei ao quartel, informaram-me do horrível acidente, da noite anterior, em que um condutor enfiou um jeep debaixo de um Unimog, também da nossa Companhia, que estava estacionado fora da faixa de rodagem, avariado

O condutor, felizmente, mais uma vez, saiu ileso, já tinha acionado uma mina, tendo sido projetado a 10 ou 15 metros, sem qualquer beliscadura. Mas, naquela noite, o Torres e o Ramos morreram de imediato

O Torres, como era conhecido, por ser da região de Torres Vedras, o nosso melhor futebolista e o Furriel Ramos não resistiram ao embate. Mais 2 mortes num acidente!

Ainda que de noite, mas numa reta, como é que o condutor foi enfiar o jeep na outra viatura, parada, na berma?

Estaria o condutor alcoolizado! Mal dito álcool, que tanto foi usado, para nos anestesiarem.

Do Torres, pouco sei, mas do Ramos, sei que era filho de emigrantes, em França, era funcionário da Câmara Municipal de Lisboa, estava tão contente, por ter um emprego à sua espera, enquanto muitos de nós tínhamos à nossa espera os nossos familiares

Finalmente chegou o tão esperado dia, saímos de Nova Lisboa para Luanda, onde nos esperava o barco Vera Cruz, foi uma alegria imensa!

Foi ao final do dia, mal o barco se fez ao mar, a Companhia reuniu para o Furriel Enfermeiro nos informar que depois do jantar, nos iria dar vários comprimidos, que nos atordoariam durante 24 horas, mas que era indispensável que os tomássemos, para prevenir futuras doenças, foram 24 horas de agonia, mas deu resultado, durante alguns anos nem um constipado

Dias depois, o barco atracou no Funchal, Ilha da Madeira, foi a primeira saída de passageiros

Os camaradas madeirenses prometeram levar-nos a comer filetes de peixe-espada preto, uma delícia! Depois cada um foi para seu lado, aproveitei para ir ver um pequeno aquário, não muito longe do cais, tive receio de ir para longe, porque tínhamos poucas horas para estar em terra

Mal acabaram de descarregar as bagagens, seguimos viagem, chegámos ao Tejo, numa madrugada, ficámos ao largo. Não consegui dormir, quando amanheceu, começámos a ver a cidade: estava linda, nunca a vira assim!

Assim que o barco atracou, saímos, abraçámos os familiares. E pouco depois fomos transportados para o quartel.

Já não me lembro o que fui lá fazer, os soldados, acho que foram entregar a farda, a minha, como a tinha pago, fiquei com ela, a minha filha mais velha é que acabou com ela, gostava de vestir o blusão e colocar a boina.

Não sei se foi nessa ocasião que nos entregaram a Caderneta Militar. Lembro-me de nos terem dado uma morada para, no caso de adoecermos durante um determinado tempo, nos dirigirmos.

Foi um dia de muitas emoções, tão desejado, despedimo-nos cheios de alegria e felicidade.

 

 

Continua

 

 

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publicado às 08:03


12 comentários

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De imsilva a 27.11.2020 às 09:50

Já no continente!
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De cheia a 27.11.2020 às 18:09

Há quase cinquenta anos depois.

Bom fim-de-semana!
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De Robinson Kanes a 27.11.2020 às 10:43

Belo regresso, assombrado pela tragédia. A quantidade de mortos por acidentes, na guerra colonial, foi qualquer coisa...

Abraço, José
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De cheia a 27.11.2020 às 18:14

Foram mesmo muitos os que morreram em acidentes.

Bom fim-de-semana
Um abraço,
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De MJP a 27.11.2020 às 11:44

Grata pela partilha, José! :))
Dia Feliz!
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De cheia a 27.11.2020 às 18:16

Agradeço o interesse, Zé!

Bom fim-de-semana!
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De Francisco Carita Mata a 27.11.2020 às 22:10

"...começámos a ver a cidade: estava linda, nunca a vira assim!"
Uma maravilha! Chegar de barco a Lisboa e ter terminado a comissão na guerra!
Que bom que é a Paz!
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De cheia a 27.11.2020 às 22:24

Sem dúvida! A Paz é uma maravilha, enquanto que a Guerra é uma coisa horrível.
Todos devemos fazer tudo para evitar as guerras.

Boa noite!
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De jabeiteslp a 28.11.2020 às 08:49

Bom fim de Semana com alegria pra vocês
bom dia
que já temos neve no cimo da Serra
e é mais fantasia
mas, muto fria.

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De cheia a 28.11.2020 às 15:58

Também vos desejo um bom fim-de-semana prolongado com muita alegria, mesmo que a Serra seja fria.
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De Existe um Olhar a 30.11.2020 às 14:52

Muitas peripécias em tempo de regresso. Pena a morte de dois colegas
Imagino a satisfação da chegada e contemplar a nossa linda Lisboa.

Boa semana José
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De cheia a 30.11.2020 às 19:12

Foi uma grande tragédia! Depois de ultrapassarmos tantos perigos, perderem a vida num acidente.

Bom feriado!

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