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Quingentésimo ano (213)

por cheia, em 31.07.24

Sempre, cruel Senhora, receei,
medindo vossa grã desconfiança,
que desse em desamor vossa tardança,
e que me perdesse eu, pois vos amei.

Perca-se, enfim, já tudo o que esperei,
pois noutro amor já tendes esperança.
Tão patente será vossa mudança
quanto eu encobri sempre o que vos dei.

Dei-vos a alma, a vida e o sentido;
de tudo o que em mim há vos fiz senhora.
Prometeis e negais o mesmo Amor.

Agora tal estou que, de perdido,
não sei por onde vou; mas algü' hora
vos dará tal lembrança grande dor.

Luís de Camões

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publicado às 07:56

Quingentésimo ano (212)

por cheia, em 30.07.24

Sempre a Razão vencida foi de Amor;
Mas, porque assi o pedia o coração,
Quiz Amor ser vencido da Razão.
Ora que caso póde haver maior!

Novo modo de morte, e nova dor!
Estranheza de grande admiração!
Pois, em fim, seu vigor perde a affeição,
Porque não perca a pena o seu vigor.

Fraqueza, nunca a houve no querer;
Mas antes muito mais se esforça assim
Hum contrário com outro por vencer.

Mas a razão que a luta vence, em fim,
Não creio que he razão; mas deve ser
Inclinação que eu tenho contra mim.

Luís de Camões

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publicado às 07:43

Quingentésimo ano (211)

por cheia, em 29.07.24

Seguia aquelle fogo, que o guiava,
Leandro, contra o mar e contra o vento;
Quebravão-lhe ondas o animoso alento,
Por mais e mais que Amor lho renovava.

Com sentir ja que quasi lhe faltava,
Sem nada esmorecer, no pensamento
(Não podendo fallar) de seu intento
O fim ao surdo mar encommendava.

Ó mar, (dizia o moço só comsigo)
Ja te não peço a vida; só queria
Que a d'Hero me salvasses: não me veja:

Este defunto corpo lá o desvia
D'aquella tôrre: sê-me nisto amigo,
Pois no meu maior bem me houveste inveja.

Luís de Camões

 

 

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publicado às 07:50

Quingentésimo ano (210)

por cheia, em 28.07.24

Se, despois de esperança tão perdida,
Amor por causa alguma consentisse
Que inda algum'hora breve alegre visse
De quantas tristes vio tão longa vida;

Hum'alma ja tão fraca e tão cahida
(Quando a sorte mais alto me subisse)
Não tenho para mi que consentisse
Alegria tão tarde consentida.

Nem tamsomente o Amor me não mostrou
Hum'hora em que vivesse alegremente,
De quantas nesta vida me negou;

Mas inda tanta pena me consente,
Que co'o contentamento me tirou
O gôsto de algum'hora ser contente.

Luís de Camões

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publicado às 08:15

Quingentésimo ano (209)

por cheia, em 27.07.24

Se tomo a minha pena em penitencia
Do error em que cahio o pensamento,
Não abrando, mas dóbro meu tormento,
Que a tanto, e mais, obriga a paciencia.

E se huma côr de morto na apparencia,
Hum espalhar suspiros vãos ao vento
Não faz em vós, Senhora, movimento,
Fique o meu mal em vossa consciencia.

Mas se de qualquer aspera mudança
Toda vontade isenta Amor castiga,
(Como eu vejo no mal que me condena)

E se em vós não se entende haver vingança,
Será forçado (pois Amor me obriga)
Que eu só da culpa vossa pague a pena.

Luís de Camões

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publicado às 07:58

Quingentésimo ano (208)

por cheia, em 26.07.24

Se tanta pena tenho merecida
Em pago de soffrer tantas durezas;
Provai, Senhora, em mi vossas cruezas,
Que aqui tendes huma alma offerecida.

Nella experimentai, se sois servida,
Desprezos, desfavores e asperezas;
Que móres soffrimentos e firmezas
Sustentarei na guerra desta vida.

Mas contra vossos olhos quaes serão?
He preciso que tudo se lhes renda;
Mas porei por escudo o coração.

Porque em tão dura e aspera contenda
He bem que, pois não acho defensão,
Com meter-me nas lanças me defenda.

Luís de Camões

 

 

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publicado às 07:50

Quingentésimo ano (207)

por cheia, em 25.07.24

Se pena por amar-vos se merece,
Quem della estará livre? quem isento?
E que alma, que razão, que entendimento
No instante em que vos vê não obedece?

Qual mor gloria na vida ja se offrece,
Que a de occupar-se em vós o pensamento?
Não só todo rigor, todo tormento
Com ver-vos não magôa, mas se esquece.

Porém se heis de matar a quem amando,
Ser vosso de amor tanto só pretende,
O mundo matareis, que todo he vosso.

Em mi podeis, Senhora, ir começando,
Pois bem claro se mostra e bem se entende
Amar-vos quanto devo e quanto posso.

Luís de Camões

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publicado às 07:50

Quingentésimo ano (206)

por cheia, em 24.07.24

Se os capitães antigos colocados
naqueles triunfos altos de vitória
feriram nas orelhas vossa história,
de vergonha e temor foram pasmados.

Por terra logo todos derribados
troféus, fama e sua grão memória,
dando lugar ao louvor vosso e glória,
que sós no mundo fossem celebrados.

Na Antiguidade levam-vos vantagem
que está de errores cheia em toda parte,
como se mostra bem no que temos visto.

Vós, nas obras, feitos e linhagem
que na milícia sois o mesmo Marte
e em virtudes cumpris a lei de Cristo.

Luís de Camões

(De Dom Constantino cante o universo,
se bastar língua, ou prosa, engenho, ou verso.) (Wikisource)

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publicado às 07:52

Quingentésimo ano (205)

por cheia, em 23.07.24

Se lágrimas choradas de verdade
abrandar podem um coração duro,
porque as minhas que nacem d' um amor puro
vos não movem, Senhora, a piadade?

Pois por vós perdi a liberdade,
e da vida não estou inda seguro,
rompei de desamor tão forte muro
e não useis de vossa crueldade.

A males nunca vistos dai já fim,
e não queirais ser, sendo fermosa,
havida por cruel e homicida.

Pera vós vos queria eu piadosa;
que de o nunca serdes pera mim
a esperança tenho já perdida.

Luís de Camões

 

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publicado às 07:49

Quingentésimo ano (204)

por cheia, em 22.07.24

Se em mi, ó Alma, vive mais lembrança
que aquela só da glória de querer-vos,
eu perca todo o bem que logro em ver-vos,
e de ver-vos também toda a esperança.

Veja-se em mi tão rústica esquivança
que possa indino ser de conhecer-vos;
e, quando em mor empenho de aprazer-vos,
vos ofenda, se em mi houver mudança.

Confirmado estou já nesta certeza;
examine-me vossa crueldade,
exprimente-se em mi vossa dureza.

Conhecei já de mi tanta verdade,
pois, em penhor e fé desta pureza,
tributo vos fiz ser o que é vontade.

Luís de Camões

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publicado às 07:50

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