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Amor & guerra (18)
A Bárbara e o Firmino decidiram vender e o estabelecimento e irem os três para Luanda
O desejo da Bárbara era que, depois, seguissem para a Metrópole, onde achava que estavam mais seguros
O Firmino tentava convencê-la a ficar em Lunda, onde ele tinha a família. Argumentando que o clima da Europa era muito diferente, as temperaturas têm grandes amplitudes térmicas, o sol não nasce, todos os dias, às 6 horas e não se põe, todos os dias, às 18 horas, como acontece em Angola, e além disso não poderia ter tantos criados, a não ser que tivesse uma grande fortuna
A Miquelina, no dia seguinte, quando foi visitar o Carlos, acompanhada do Miguel, tinha boas notícias, para o futuro deles. Achou-o muito melhor, mais alegre, entusiasmado, com uma grande vontade de viver, e disse-lhe que gostava muito de o ver assim!
Ele respondeu-lhe que desde que os tinha visto, tinha uma nova alma, que tudo faria para que fossem muito felizes, que ela não imaginava a força que lhe tinham dado, com a visita
Uma coisa era saber que tinha um filho, outra foi senti-lo no colo, apertá-lo nos seus braços, ver que ele, sem saber, lhe dava força para lutar por uma recuperação, que conseguisse arranjar um emprego, para ganhar o suficiente para o criar
E, que a presença dela não tinha sido menos importante, demonstrando todo o carinho que tinha por eles: uma extremosa mãe, uma bonita mulher, acabando por lhe perguntar, que mais um homem poderia querer?
Foi então, que lhe deu as boas notícias, dizendo-lhe que foram muito bem recebidos, pelos antigos patrões, que lhe deram os parabéns por terem um filho muito bonito, que lhe desejavam boas e rápidas melhoras, e quando tivesse alta lhe arranjariam um emprego
Mariana e João regressaram à sua terra, estavam exausto. A primeira viagem à capital tinha os deixado com pouca vontade de lá voltar
Foram descansar, porque no dia seguinte tinham de voltar para horta, de onde tiram o sustento, não têm direito a reforma, nem têm um pé-de-meia para quando não conseguirem trabalhar
Contavam com o filho, que foi o que aconteceu com eles, que tomaram conta dos seus pais até falecerem. O filho para além de estar doente, não voltaria a ter condições para trabalhar no campo, já o tinha abandonado antes de ir para a tropa
Tomara o Carlos ficar em condições de governar a vida dele. Assim, sabiam que estavam entregues à sua sorte e à caridade dos vizinhos
Os tempos estavam a mudar: os jovens não ficavam nas suas aldeias, procuravam trabalho nas grandes cidades ou no estrangeiro.
Muitos idosos acabam os seus dias, sem filhos, nem netos, por perto. É o que esperam
a Mariana e o João.
Continua
Amor & guerra (17)
O Firmino e a Bárbara decidiram viver juntos, não ambicionavam casar-se, queriam ser felizes e para isso não precisavam de papéis assinados
Tinham, era de tomar decisões sobre o seu futuro. O Firmino confessou-lhe que gostava de ter um filho ou uma filha dela. A Bárbara disse-lhe que também gostava de ter um bebé dele
Queriam vender a loja, quanto antes, porque a guerra não atava nem desatava. Quem é que sabia quando e como seria o seu fim?
Sempre com o rádio ligado, um meio de informação, que leva o som a todo o lado, para estar bem informada e ligada ao mundo
Sabia que mais tarde ou mais cedo, Portugal tinha de dar a independência às suas colónias
Disse ao Firmino que tinham de vender a loja e ir para a Europa, para a Metrópole, antes que a situação piorasse ainda mais, que tivessem de fugir à pressa. Queria evitar que a filha passasse por esse trauma
O Firmino queria evitar, a todo o custo, que saíssem de Angola. Tinha ali nascido, sempre ali tinha vivido, nunca tinha ido à Metrópole, e o que diriam os pais e o irmão!
A Mariana e o João apanharam um táxi para a estação ferroviária de Santa Apolónia. Depois do comboio iniciar a marcha, a Mariana começou rememorar o que o filho lhe tinha dito, e perguntou ao marido se ele sabia porque é que ele não andava. Só lhe tinha dito que tinha sido ferido na perna esquerda
João respondeu-lhe, que lhe tinham amputado a perna esquerda, abaixo do joelho, fora o que lhe dissera, quando estavam abraçados
A Mariana começou a chorar e a perguntar porque é que não lhe tinham dito nada? O filho sem uma perna, e ela sem saber, devia ter desconfiado de ele estar na cadeira de rodas
O João abraçou-a, beijo-a, e disse-lhe que o filho não a quis enervar, porque como ela sofre do coração não queria que se enervasse, mas que não ficasse assim, porque vão mandar-lhe fazer uma prótese, e que quando o voltassem a ver já ele andava
Nada a consolava, dizia que tinha ficado sem o filho, desde que tinha ido para Lisboa, que tinham um neto e nem sequer sabiam que ele existia, tudo tão diferente do que era antigamente! Dantes os avós viam os netos crescer, e tomava conta deles enquanto os pais iam trabalhar. Agora, nem filhos, nem netos, todos iam para as grandes cidades e para França, estavam condenados a acabarem os últimos dias sozinhos
Os patrões da Miquelina agradeceram-lhe a visita e ficaram encantados com o Miguel, deram-lhes os parabéns por ter um filho muito bonito
Ficaram muito tristes e preocupados por terem amputado a perna do Carlos. Prometeram ajuda-los, arranjando emprego para o Carlos, assim que ele tivesse alta, porque tinham um amigo, que era diretor dum Banco, onde haveria um lugar para ele
A Miquelina agradeceu-lhes, não só o emprego para o Carlos mas também, o facto de os deixarem ficar lá em casa
Tinha boas notícias para o Carlos, quando, no dia seguinte, o fossem visitar.
Continua.
Amor & guerra (16)
Quando chegaram a Santa Apolónia, em Lisboa, apanharam um táxi, e foram os quatro para o hospital, para, finalmente, verem como estava o Carlos
Assim que chegaram ao hospital, a Mequilina pediu ao plantão para falar com o enfermeiro
Disse-lhe que eram as visitas do soldado número 500, Carlos. Era a primeira visita, e que vinham acompanhados do filho, que ele ainda não conhecia, se poderia arranjar um sítio onde o pudessem ver, porque o menino não podia entrar na enfermaria
Foram encaminhados para uma salínha, onde esperaram pelo Carlos
Pouco depois trouxeram o Carlos, um maqueiro empurrava a cadeira de rodas
A mãe agarrou-se a ele, a chorar, a aperta-lo como se quisesse pegar-lhe ao colo
Ficaram minutos agarrados, sem dizerem palavra, até que ela lhe perguntou por que é que não andava, e ele respondeu-lhe que tinha sido ferido na perna esquerda
A seguir o pai abraçou-o e beijou-o, trocaram poucas palavras. Por último a Mequilina colocou-lhe o filho no colo, ficaram os três abraçados e a beijarem-se. O Carlos estava muito feliz por, finalmente, estar a abraçar o filho e a namorada. Aproveitou para lhe dizer, baixinho, que lhe tinham amputado, à perna esquerda, abaixo do joelho, e que os médicos lhe tinham garantido, que com uma prótese ficaria a andar bem
Carlos sugeriu-lhe que fosse mostrar o filho, aos antigos patrões dela, até podia ser que os deixassem lá dormir, para poder ir visita-lo, no dia seguinte, porque, ainda, tinham muito para conversar, e estariam mais à vontade, sem a presença dos pais dele
Terminada a visita, despediram-se e saíram. Cá fora, a Mequilina informou os futuros sogros, que não os acompanharia no regresso a Braga, porque ia visitar os seus antigos patrões
A Marina mostrou-se surpreendida, mas a Mequilina disse-lhe que tinha sido uma sugestão do Carlos, para poderem visita-lo no dia seguinte
Pela primeira vez despediram-se do neto, já estavam completamente embebecidos por terem um neto. Ao despedirem-se da Mequilina , prometeram verem-se em breve, queriam ver o neto crescer
Também chegou a hora da Bárbara ver o Firmino entrar-lhe pela porta dentro, com um bonito ramo de rosas, para lhe oferecer
Com os rostos banhados de felicidade, ficaram, tempo sem fim, a beijarem-se, com os corpos unidos, como se fosse só um
Antes que ela lhe perguntasse, ele apressou-se a explicar-lhe, quanto tinha sido difícil os pais aceitarem a sua decisão. Quanto à mobilidade, nem valia a pena falar, estradas esburacadas, minadas, troços só com escolta militar, dias e dias para fazer meia dúzia de quilómetros: um inferno!
Continua
25, de Abril
Madrugada determinada, há muito sonhada, que mudou o Mundo
Povos oprimidos, depois de cinco séculos, assumiram os seus destinos
Mas, não há parto, que não seja doloroso, só suavizado pela alegria de um novo ser
Cortar o cordão umbilical, velho de séculos, foi matar muito jovem, foi muita carne para canhão
Foram treze anos de guerra, de atrocidades sem nome, por pura insanidade
Cortar um cordão umbilical com catanas, granadas, balas, minas, e no céu, para além dos aviões, helicópteros com canhões
Mães sem filhos, mulheres sem maridos, namoradas sem namorados, pais sem filhos, filhos sem pais
Quão difícil é criar e educar uma criança, fará uma nação!
Mas, há sonhadores, que acham, que depois do sangrento parto, ainda podíamos impor as nossas leis
Pura ilusão, depois de armas na mão, ninguém aceitaria essa decisão
Os que beneficiaram da opressão achavam-se no direito de saírem da contenda, sem nenhum beliscão
De um lado e doutro pagámos muito cara a separação, que era inevitável
Que, só uma parte não queria, mas que todo o mundo exigia, incluindo o Papa, que já tinha recebido os dirigentes dos movimentos, que lutavam pela independência
Podíamos ter aprendido, com os que já tinha feito a descolonização, mas, não! Diziam-nos que eramos diferentes, que podíamos oprimir os outros povos, durante mais séculos, eternamente!
Há quem queira diminuir este acontecimento, comparando-o ao 25 de Novembro
Mas não há comparação, porque o 25 de Abril teve repercussões mundiais
Mais meia dúzia de novas nações, em dois continentes, muitos milhões de corações
Que vibraram de alegria, mesmo que um país não se crie, num dia
Muito obrigado a todos os que contribuíram, em especial aos Capitães, para um inesquecível dia.
José Silva Costa
Amor & guerra (15)
A Bárbara estava desesperada, já receava que tivesse acontecido com o Firmino, o mesmo que aconteceu com o Carlos, que não voltasse a vê-lo!
Seria preciso tanto tempo para ir, a Luanda, dizer aos pais, que tinha encontrado a mulher com quem sempre sonhara e queria viver!
Por momentos esqueceu as nuvens negras que a afligiam, pegou na sua linda Sara e beijou-a
como se fosse a primeira vez que a via, como se nunca tivesse reparado que era linda!
Aproximava-se o dia de poderem visitar o Carlos, pais, namorada e filho tiveram de apanhar o comboio, de véspera
Os pais apanharam a camioneta para Braga, onde entraram no comboio, para Santa Apolónia, em Lisboa
A namorada e o filho também entraram em Braga, e foram para a mesma carruagem, onde já estavam os pais do Carlos
Mal o comboio iniciou a marcha começaram as conversas entre os quatro. O Miguel, muito falador, nada envergonhado, começou a falar com a avó, sem que nenhum soubesse que se tratava de familiares
Depois foi a vez, da mãe entrar na conversa, a mãe do Carlos perguntou-lhe pra onde iam
Miquelina respondeu-lhe que iam para Lisboa, ver o namorado, que tinha vindo ferido, de Angola
A mãe do Carlos disse que também iam ver o filho, o Carlos, que também foi ferido em Angola
A Miquelina achou muita coincidência e disse que o namorado também se chamava Carlos, e que era de Vieira do Minho. Abriu a carteira e mostrou a fotografia, e a futura sogra disse que aquele era o filho dela. O marido disse: “o nosso filho!”
Miquelina disse: “ muito prazer em conhecê-los, o Miguel é vosso neto”
Mariana disse que o filho nunca lhe tinha falado em namoradas, quanto mais em netos
João disse que ele era tal e qual o Carlos, quando era da idade dele
Mariana não queria admitir que a Miquelina fosse namorada do filho, nem que o Miguel fosse seu neto, e perguntou à Miquelina, como é que o Miguel era seu neto, se o filho já tinha ido para Angola, há tanto tempo?´
Miquelina disse-lhe que tinha sido no último dia, antes de embarcar
Mariana disse que eram umas desavergonhadas, por fazerem isso, sem serem casadas, e que só acreditava, quando ouvisse da boca do filho
João tentou acalmá-la, dizendo se não via que ele era muito parecido com o pai!
Mas, Mariana não queria saber disso, não admitia que o filho tivesse tido relações com aquela rapariga, antes do casamento, e perguntou-lhe onde é se tinham conhecido
Miquelina disse-lhe que se tinham conhecido em Lisboa, quando era criada de servir e ele trabalhava nas obras, e que já namoravam há muitos anos
Mariana disse que o ela tinha feito era “prendê-lo” antes de ele embarcar. Mas, lá na terra havia raparigas que estavam interessadas nele, raparigas que sabiam trabalhar no campo, muito diferentes das da cidade, que não sabiam fazer nada
Miquelina tentou defender-se, dizendo que a culpa não tinha sido dela, que tudo fez para que não tivessem relações sexuais, antes do casamento. Mas, no último momento, tanto a pressionou, e como estava tão desesperado por ir para a guerra, que ela acabou por ceder
A conversa fez com que nem dessem pela passagem do tempo. Depois, acabaram por cada um adormecer para seu lado. Miquelina apertou o filho contra o peito, estava com medo que alguém lhe fizesse mal, mesmo a dormir ninguém lho conseguia tirar dos braços
Quando chegaram a Lisboa, parecia que a Mariana já estava mais conformada com a escolha do filho, mas não perdoava àquela rapariga, o facto de lhe ter tirado o seu filhinho. Ainda tinha de lhe perguntar, como é que ele se tinha deixado enganar, por aquela rapariga!
Continua
Amor & Guerra (14)
A Bárbara desesperava, porque o Firmino nunca mais voltava, nem dava notícias. Estava habituada às dificuldades das comunicações e da mobilidade. Mas já tinha passado mais de um mês!
O irmão do Firmino não quis ficar com o trabalho do irmão. A família ficou surpreendida, nunca tinham visto uma coisa assim. Como é que ele trocava um negócio centenário, que já vinha dos seus bisavós, para se juntar a uma rapariga, que já tinha uma filha!
Até a mãe o interpelou, perguntando o que é que tinha acontecido, para estar assim apaixonado, uma vez que já tinha tido tantas namoradas e nunca se tinha apaixonado
Disse à mãe, que desta vez tinha encontrado a sua alma gémea, tinham nascido um para o outro, que a Bárbara era uma mulher muito bonita, inteligente, muito à frente do seu tempo
O pai, vendo que não conseguia convencer o filho a continuar com o negócio da família, teve de arranjar um empregado, que assumisse as funções do filho
Finalmente, o Carlos ia ter visitas. Quando a Miquelina telefonou para saber se já tinha visitas, informaram-na da data e do horário das visitas
Correu a consultar o horário dos comboios, ver a que horas é que saía de Braga, cidade onde residia, e se chegava a horas da vista. Caso não se atrasasse chegaria meia hora antes de começarem as visitas
Quase um dia de comboio!
Estava desejosa de saber o estado do Carlos, mas ao mesmo tempo muito preocupada com aquele secretismo, que poderia querer dizer que ele não estava nada bem
Estava determinada a levar o Miguel, mesmo contra a vontade dos pais, que achavam a viagem muito longa para uma criança daquela idade. Mas ela não queria voltar a ver o Carlos, sem lhe apresentar o lindo fruto do seu grande amor. Agora eram três, e não dois!
Os pais do Carlos tinham sido informados, das visitas e horário, pelos serviços do hospital. Era o mínimo que o Estado podia fazer a quem criava filhos, para darem a vida pela Pátria
O Carlos é natural de Vieira do Minho, onde os seus pais residem
Eles acham que deviam ter enviado o filho para, um hospital, mais perto
Queixando-se de que está tudo localizado em Lisboa, e o resto do país tem de ir lá
Para irem ver o filho, tinham de andar horas e horas de comboio, sem quaisquer condições
Mas, o que é que não fazem os pais, pelos filhos!
Era preciso arranjar um bom farnel, porque não sabiam quando é que voltariam a casa
Nem quando o filho embarcou tinham ido a Lisboa. Mas, agora estava na cama dum hospital, e já não o viam há quase três anos
Não sabiam como é que estava, porque não lhe quiseram dizer, aquando do telefonema a informarem o horário das visitas, nem no telegrama a informar que tinha sido ferido em combate. Apenas diziam que estava livre de perigo!
Continua
Amor & Guerra (13)
A Bárbara recebeu a visita de um Caixeiro-viajante, que lhe queria vender diversos produtos, entre eles: serviços de chá e de café, de porcelana chinesa
Produtos que se vendiam muito bem, porque os militares gostavam de os comprar, para oferecerem às mães, mulheres e namoradas
Ficou admirada como é que ele tinha passado naquela estrada perigosa, sujeito a acionar minas ou cair em emboscadas
Ele informou-a de que num troço, já não havia perigo de estar minada ou de acontecerem emboscadas, no outro, foi integrado numa coluna civil de abastecimento, com proteção militar
Agora, tinha de esperar que a coluna, por ali voltasse a passar, para regressar a Luanda
Assim, tinham muito tempo para conversar, se não se importasse, todos os dias a iria visitar
A Bárbara disse-lhe que tinha muito prazer em falar com ele, sobre os problemas de Angola e do Mundo, em geral
Quando a Miquelina regressou, do Quartel-General, tinha, na caixa do correio, a carta do Carlos, que o correio lá tinha deixado
Infelizmente, não adiantava nada, parecia que estavam combinados, só saberia o que aconteceu, quando fosse a Lisboa, vê-lo
Os encontros entre a Bárbara e o caixeiro-viajante continuavam, cada vez mais prolongados, ambos chegaram à conclusão, que tinham muitas coisas em comum, que pareciam feitos um para o outro, que tinha sido o destino a juntá-los
O Firmino, quando lhe pediu namoro e ela aceitou, também lhe disse que a ajudaria a criar a Sara, como se fosse sua filha
Já tinham combinado que não ficariam ali muito tempo, porque quando a guerra acabasse, ao contrário do que costuma acontecer, esta não traria nada de bom
O Firmino garantiu-lhe que iria a Lunda entregar o negócio ao irmão e que voltaria, para ficar ao seu lado, para sempre
O Carlos já estava psiquicamente preparado para receber as visitas. O que era muito importante para ele e para as visitas. Uma vez que ainda tinha duros desafios para se adaptar à prótese
Se conseguisse transmitir, aos pais e à namorada, que estava determinado e que conseguiria governar a vida e ser feliz, isso seria a melhor prenda que lhes poderia dar, no primeiro encontro, depois de quase três anos, sem se verem
Nunca tinha dito aos pais que tinha um filho!
Estava muito receoso, sem saber como reagiriam
Estava desejoso que chegasse o dia, a hora de ver o filho, de abraçá-lo, beijá-lo, apertá-lo nos seus braços
E como seria a reação dele: um estranho a fazer-lhe tudo aquilo, ainda, por cima, imobilizado na cadeira de rodas!
Não esquecendo a atitude dos restantes, tudo motivos para ser ainda mais forte e defender a Miquelina, caso eles atirassem as culpas para cima dela.
Continua.
Amor & guerra (12)
A amputação, da perna do Carlos, correu bem. Os médicos afiançaram-lhe que com uma prótese ficaria em condições de continuar a governar a vida
Possivelmente teria de ir uns meses para o Centro de Reabilitação de Alcoitão, para se adaptar à prótese. A esperança, que os médicos lhe conseguiram incutir, deixaram-no mais tranquilo, com força de vontade capaz de enfrentar todos os obstáculos, certo de que ainda seria muito feliz ao lado da Miquelina e do Miguel
Os pais do Carlos foram informados de que o filho tinha sido ferido em combate e estava livre de perigo, no Hospital Militar, em Lisboa
Assim que os médicos lhe disseram que ia ficar capaz de governara a vida, já se sentia em condições de escrever à Miquelina. Pediu a um enfermeiro se fazia o favor de lhe arranjar uma carta e uma caneta, para poder informar a namorada do que tinha acontecido
O enfermeiro aconselhou-o de como dar a notícia à namorada. Disse-lhe para não lhe dizer, ainda, que lhe tinham amputado a perna
O Carlos escreveu à namorada, dizendo-lhe que tinha sido ferido em combate, mas já estava melhor, e a prova disso era a carta, que lhe enviava
Esperava que ela e o Miguel estivessem bem. Assim que tivesse visitas informá-la-ia
A Bárbara estava radiante com a chegada de uma nova Companhia, na esperança que nela viesse o seu futuro amor. Tudo estava a correr bem: a Sara já falava e corria tudo, era uma boneca, uma bonita flor, para um quadro perfeito, só faltava arranjar um companheiro
A Miquelina pediu aos pais para ficarem com o Miguel, para ir ao Quartel-General do Porto
Apanhou a camioneta da carreira bem cedo, ainda não eram dez horas já estava à porta do Quartel-General. Foi muito bem recebida e fizeram tudo para a ajudarem. Como não tinham autorização para a avisarem, teria de apresentar qualquer coisa que provasse que para além de namorada tinha um filho dele
Miquelina tirou da mala, a carta onde ele dizia que perfilhava o filho. O militar leu as palavras, entregou-lhe a carta e disse-lhe, para aguardar, que ele ia falar com o Comandante
Já estava a ficar nervosa, devido à demora, quando abriram a porta, o militar que a tinha atendido vinha acompanhado de outro mais velho e com muitos galões
O Comandante cumprimentou-a e disse-lhe:” embora não tenhamos autorização para a informar, compreendo a sua ansiedade e preocupação, pode estar descansada, o seu namorado está no Hospital Militar, livre de perigo, por ter sido ferido em combate, já falei com os nossos camaradas do Hospital, e informaram-me de que em breve terá visitas. Tem aqui o número do telefone, amanhã ou depois, pode telefonar, que eles, talvez já lhe saibam dizer quando começam as visitas”
A Miquelina não ficou descansada, esperava que pudessem dar mais pormenores. Do mal, o menos, não tinha morrido, e em breve podia ir vê-lo.
Continua.
Amor & guerra (11)
Em 1963, o país estava muito atrasado. Só tinha Universidades em Lisboa, Coimbra e Porto
O ensino estava dividido em ensino: Liceal, Industrial e Comercial
Uma década depois, (1973) as empresas continuavam a não ter, no mercado, trabalhadores com as qualificações de que necessitavam
Algumas grandes empresas tinham escolas próprias, para formarem os seus quadros, fora do horário de trabalho, dando preferência aos adolescentes, que contratavam a partir dos doze anos
Assim, como também tinham colónias de férias, para os filhos dos seus trabalhadores
No litoral Sintrense havia três grandes colónias de férias, para os filhos dos trabalhadores das empresas: Caminhos de Ferro Portugueses, Shell e Companhia União Fabril
Tínhamos, como hoje, bons técnicos, mas que não sabiam falar línguas, o que causava problemas às empresas portuguesas, representantes de fabricantes de eletrodomésticos e outros equipamentos, que pediam, aos seus concessionários, técnicos para estagiarem nas suas fábricas
Os institutos de língua inglesa tinham como alunos, muitos técnicos, que precisavam de saber inglês, para fazerem formação nas fábricas dos produtos, que os seus patrões vendiam
O país consumia uma grande parte dos seus recursos, nas guerras de Angola, Guiné e Moçambique
O Carlos tinha a perna esquerda, abaixo do joelho, esmagada, transferiram-no para o Hospital Militar, em Lisboa, onde lhe amputaram a perna, abaixo do joelho
Os pais foram informados de que o filho tinha sido ferido em combate, mas que estava livre de perigo e internado no anexo do Hospital Militar, em Lisboa
A Miquelina não foi informada, porque o nome dela não constava na informação, pedida a cada militar, para indicar quem queria que fosse informado, caso acontecesse algum problema grave
Estava desesperada, já tinha passado mais de um mês, e ele não dizia nada:” teria morrido, estaria ferido, como é que poderia saber?”
Já tinha pensado em pedir-lhe os nomes dos pais, a sua morada, o seu contato. Mas esperava que fosse ele a tomar essa iniciativa, porque os acidentes acontecem, mas não queremos falar neles, com medo, porque somos surpersticiosos
Os pais aconselharam-na a telefonar para o Quartel-General. Quem a atendeu disse-lhe que era muito difícil ajudá-la, porque o nome dela não constava no documento que foi apresentado ao Carlos, para escrever quem é que queria que fosse informado
Mas, a Miquelina não se deu por vencida, contou a quem estava do outro lado do telefone, o que tinha acontecido: que era namorada dele, que tinha ficado grávida dele na véspera do embarque, que tinha um filho dele quase com dois anos, e tinha cartas onde ele dizia que aperfilharia o filho
Aconselharam-na a ir ao Quartel-General, com as cartas, para ver se conseguiriam ajudá-la.
Continua
Amor & guerra (10)
Com as bonitas palavras do Carlos, a Miquelina ficou muito feliz. Já só sonhava com o dia em que o Carlos saísse da tropa e fossem viver os três
Contava os meses, já não faltavam muitos. Em breve abraçaria o Carlos, e ele conheceria o filho
A Bárbara tinha posto ponto final aquela expetativa de namoro. Não queria voltar a precipitar-se, já bastava o que tinha acontecido com o Carlos, porque estava fragilizada com o desaparecimento dos pais
Mas, ao mesmo tempo estava tão feliz por ter uma filha, linda, único familiar, que esperava fosse uma grande companheira pela vida fora, sangue do seu sangue
Que pena não conseguir contatar com o Carlos, apresentar-lhe aquela linda filha, não saber se estava vivo ou morto, a incerteza moei mais que a morte, quem é que inventou a guerra?!
Tantos jovens, arrancados às suas famílias e terras, treinados à pressa, sem noção nem consciência do que iam fazer, alguns levados pela fé, de que iam defender a sua Pátria, sujeitos a grandes lavagens ao cérebro, ao ponto de os obrigarem a gritar que se fosse preciso matariam os próprios pais
Chegados ao terreno, entregavam-lhes uma arma, balas, granadas
Perdidos, num labirinto, sem um forte código de conduta, respondiam às atrocidades com atrocidades, ainda, maiores
O Carlos escreveu à namorada, dizendo que ia participar noutra grande operação, que poderia durar mais de um mês, que não se preocupasse, que assim que pudesse lhe voltaria a escrever
Mas ela ficou muito preocupada, sempre em operações, era preciso ter muita sorte, para sair, sempre, ileso
“ Tantas vezes o cântaro vai à fonte, até que um dia lá fica”
A Companhia do Januário deixou a Vila, com grande pena da população, que gostava muito do comandante, porque dava muita atenção aos seus problemas. Todos estavam de acordo de que ele fez tudo o que podia para melhorar as suas vidas.
A Bárbara estava esperançada que na nova Companhia viesse um militar, que se encantasse nela e ela nele. Era tão importante encontrar um companheiro, que partilhasse dos seus sonhos, do seu espirito de aventura, que gostasse da sua filha. Por fim dizia: “ Não estarei a pedir demais!”
Queria planear o futuro: vender a loja, ir para Luanda, Lisboa, ou Coimbra. Mas seria mais seguro se tivesse com quem partilhar essa aventura, quem a aconselhasse, quem a aprovasse
Queria tudo do melhor para a Sara: o melhor colégio, a melhor universidade, que para ela era a de Coimbra
Tinha um bom pé-de-meia, em escudos, num Banco, na Metrópole, que herdara dos pais
A Companhia, do Carlos, foi emboscada, com a picada minada e os guerrilheiros escondidos nas bermas da picada
Tiveram mais de uma dezena de mortos e muitos feridos. O Carlos ficou gravemente ferido, tendo sido evacuado de helicóptero para Luanda.
Continua
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