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Quingentésimo (261)

por cheia, em 17.09.24

33.
A B C em motos
AAAA
Ana quisestes que fosse
o vosso nome da pia,
para mor minha agonia.
Apeles, se fora vivo
e a ver-vos alcançara,
por vós retratos tirara.
Aquiles morreu no templo,
contemplando de giolhos;
eu, quando vejo esses olhos.
Artemisa sepultou
a seu irmão e marido;
vós a mim, e a meu sentido.
B
Bem vejo que sois, Senhora,
extremo de fermosura,
para minha sepultura.
CC
Cleópatra se matou
vendo morto a seu amante;
e eu por vós, em ser constante.
Cassandra disse de Tróia
que havia ser destruída;
e eu por vós, d'alma e da vida.
DD
Dido morreu por Enéas,
e vós matais quem vos ama;
julgai se sois cruel dama!
Dianira, inocente,
da má morte causadora;
vós, da minha, sabedora.
E
Eurídice foi a causa
de Orfeu ir ao Inferno;
vos, de ser meu mal eterno.
FF
Fedra, só de puro amor,
morreu por seu enteado;
eu, morro de desamado.
Febo vai escurecendo
ante vossa claridade;
e eu, sem ter liberdade.
GG
Galateia sois, Senhora,
Da fermosura extremo;
e eu, perdido Polifemo.
Genebra, que foi rainha,
se perdeu por Lançarote;
e vós, por me dar a morte.
HH
Hércules, uma camisa
de chamas o consumiu;
minha alma, dês que vos viu.
Hébis e Dido morreram
com origor da mudança;
eu, vendo vossa esquivança.
JJJJ
Judit, que o duro Holofernes
degolou, se viva fora,
mate lhe déreis, Senhora.
Júlio César conquistou
o mundo com fortaleza;
vós a mim com gentileza.
Júlio César se livrou
dos imigos com abrolhos;
eu, não posso desses olhos.
Jazia-se o Minotauro
preso no seu labirinto;
mas eu mais preso me sinto.
LL
Leandro se afogou
e foi sua causa Hero;
e a mim o que vos quero.
Leandro se afogou
no mar de sua bonança;
eu, no de vossa esperança.
MM
Minerva dizem que foi,
e Palas, deusas da guerra:
e vós, Senhora, da terra.
Medeia foi mui cruel,
mas não chegou a metade
de vossa grã crueldade.
NN
Narciso o siso perdeu
em vendo a sua figura;
eu, por vossa fermosura;
Ninfas enganam mil Faunos
com seu ar e fermosura;
e, a mim, vossa figura.
OO
Os olhos choram o dano
que em vos verem sentiram,
mas eu pago o que eles viram.
Orfeu com a doce harpa
venceu o reino de Plutão;
vós a mim, com perfeição.
PP
Páris a Helena roubou,
por quem Tróia foi perdida;
e vós a mim, alma e vida.
Pirro matou Policena,
perfeita em todos sinais;
e vós a mim me matais.
QQ
Quanto mais desejo ver-vos,
menos vos vejo, Senhora:
não vos ver milhor me fora.
Querendo ver a Diana,
Actéon perdeu a vida,
que eu por vós trago perdida.
RR
Remédio nenhum não vejo
que romedeie meu mal;
nem crueza à vossa igual.
Roma o mundo sujeita
com armas, saber, temor
vós a mim só por amor.
S
Sirena, na mor fortuna
com enganos vai cantando;
e vós, sempre a mim matando.
TT
Tisbe morreu por Píramo,
a ambos matou o Amor;
a mim, vosso desfavor.
Tisbe pelo seu amante
morreu com amor sobejo;
mas eu mais morto me vejo.
WW
Vénus, que por mais fermosa
lhe deu Páris a maçã,
não foi quanto vós louçã.
Vénus levou a maçã
por vós não serdes, Senhora,
nascida naquela hora.
XX
Xpõ vos acabe em graça,
e vos faça piadosa
tanto, quanto sois fermosa.
Xantopea tornou atrás
por Apónio a invocar;
e vós não, a meu chamar.

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publicado às 07:49

Quingentésimo ano (260)

por cheia, em 16.09.24

 

 

32.
Glosa
a este moto seu (acróstico):
A morte, pois que sou vosso,
não na quero, mas se vem,
[h]a-de ser todo meu bem.


Amor, que em meu pensamento
com tanta fé se fundou,
me tem dado um regimento
que, quando vir meu tormento,
me salve com cujo sou.
E com esta defensão,
com que tudo vencer posso,
diz a causa ao coração:
não tem em mim jurdição
A morte, pois que sou vosso.
Por exprimentar um dia
Amor se me achava forte
nesta fé, como dizia,
me convidou com a morte,
só por ver se a tomaria.
E, como ele seja a cousa
onde está todo o meu bem,
respondi-lhe (como quem
quer dizer mais, e não ousa):
não na quero, mas se vem...
Não disse mais, porque então
entendeu quanto me toca;
e se tinha dito o não,
muitas vezes diz a boca
o que nega o coração.
Toda a cousa defendida
em mais estima se tem:
por isso é cousa sabida
que perder por vós a vida
[h]a-de ser todo meu bem.


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publicado às 07:49

Quingentésimo ano (259)

por cheia, em 15.09.24

Redondilhas, de Luís de Camões
Texto-base:
CAMÕES, Luís Vaz de. Os Lusíadas de Luís Camões. Direção Literária Dr. Álvaro Júlio da Costa
Pimpão.
Texto proveniente de:
A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro <http://www.bibvirt.futuro.usp.br>
A Escola do Futuro da Universidade de São Paulo
Permitido o uso apenas para fins educacionais.
Texto-base digitalizado por:
FCCN - Fundação para a Computação Científica Nacional (http://www.fccn.pt)
IBL - Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro (http://www.ibl.pt)
Disponível em: http://web.rccn.net/camoes/camoes/index.html
Agradecimentos especiais à Dra. Maria Teresa Perdigão Costa Bettencourt d'Ávila, herdeira do Dr.
Álvaro Júlio da Costa Pimpão (responsável pela direção literária da obra-base), que gentilmente
autorizou-nos a publicação desta obra.
Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, e que as informações acima
sejam mantidas. Para maiores informações, escreva para <bibvirt@futuro.usp.br

Redondilha é o nome dado, a partir do século XVI, aos versos de cinco ou sete sílabas — a chamada medida velha. Aos de cinco sílabas dá-se o nome de redondilha menor e aos de sete sílabas, de redondilha maior.

38.
Glosa
a este moto alheio:                                                                                  
Sem vós e com meu cuidado
olhai com quem, e sem quem

Amor, cuja providência
foi sempre que não errasse,
porque n'alma vos levasse,
respeitando o mal de ausência
quis que em vós me transformasse.
E vendo-me ir maltratado,
eu e meu cuidado sós,
proveio nisso, de atentado,
por não me ausentar de vós,
sem vós e com meu cuidado.
Mas est'alma que eu trazia
porque vós nela morais,
deixa-me cego, e sem guia;
que há por milhor companhia                                                                              
Sem vós e com meu cuidado
olhai com quem, e sem quem
ficar onde vós ficais.
Assi me vou de meu bem
onde quer a forte estrela,
sem alma, que em si vos tem,
co mal de viver sem ela:
olhai com quem, e sem que.

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publicado às 07:50

Quingentésimo ano (258)

por cheia, em 14.09.24

Vós, que escuitais em Rimas derramado
Dos suspiros o som que me alentava
Na juvenil idade, quando andava
Em outro em parte do que sou mudado;

Sabei que busca só do ja cantado
No tempo em que ou temia ou esperava,
De quem o mal provou, que eu tanto amava,
Piedade, e não perdão, o meu cuidado.

Pois vejo que tamanho sentimento
Só me rendeo ser fábula da gente,
(Do que comigo mesmo me envergonho)

Sirva de exemplo claro meu tormento,
Com que todos conheção claramente
Que quanto ao mundo apraz he breve sonho.

Luís de Camões

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publicado às 07:49

Quingentésimo ano (257)

por cheia, em 13.09.24

Se me vem tanta gloria só de olhar-te,
He pena desigual deixar de ver-te;
Se presumo com obras merecer-te,
Grão paga de hum engano he desejar-te.

Se aspiro por quem es a celebrar-te,
Sei certo por quem sou que hei de offender-te;
Se mal me quero a mi por bem querer-te,
Que premio querer posso mais que amar-te?

Porque hum tão raro amor não me soccorre?
Oh humano thesouro! oh doce gloria!
Ditoso quem á morte por ti corre!

Sempre escrita estaras nesta memoria;
E esta alma viverá, pois por ti morre,
Porque ao fim da batalha he a victoria.

Luís de Camões

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Quingentésimo ano (256)

por cheia, em 12.09.24

Se como em tudo o mais fostes perfeita,
Foreis de condição menos esquiva,
Fôra a minha fortuna mais altiva,
Fôra a sua altiveza mais sujeita.

Mas quando a vida a vossos pés se deita,
Porque não a acceitais, não quer que eu viva:
Ella propria de si ja a mi me priva;
Que, porque me engeitais, tambem me engeita.

Se nisso contradiz vossa vontade,
Mandai-lhe vós, Senhora, que dê fim
Á minha profundissima tristeza.

Pois ella não mo dá, porque piedade
Tenha deste meu mal, mas porque em mim
Possais assi fartar vossa crueza.

Luís  de Camões

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publicado às 07:49

Quingentésimo ano (255)

por cheia, em 11.09.24

Quem, Senhora, presume de louvar-vos
Com discurso que baixe de divino,
De tanto maior pena será dino,
Quanto vós sois maior ao contemplar-vos.

Não aspire algum canto a celebrar-vos,
Por mais que seja raro, ou peregrino;
Pois de vossa belleza eu imagino
Que só comvosco o Ceo quiz comparar-vos.

Ditosa esta alma vossa, a que quizestes
Pôr em posse de prenda tão subida,
Qual esta que benigna, em fim, me déstes.

Sempre será anteposta á mesma vida:
Esta estimar em menos me fizestes,
Se antes que ess'outra a quero ver perdida.

Luís de Camões

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Quingentésimo ano (254)

por cheia, em 10.09.24

Que esperais, esperança?  Desespéro.
Quem disso a causa foi?  Hũa mudança.
Vós, vida, como estais?  Sem esperança.
Que dizeis, coração?  Que muito quero.

Que sentis, alma, vós?  Que amor he fero.
E, em fim, como viveis?  Sem confiança.
Quem vos sustenta, logo?  Huma lembrança.
E só nella esperais?  Só nella espero.

Em que podeis parar?  Nisto em que estou.
E em que estais vós?  Em acabar a vida.
E ténde-lo por bem?  Amor o quer.

Quem vos obriga assi?  Saber quem sou.
E quem sois?  Quem de todo está rendida.
A quem rendida estais?  A hum só querer.

Luís de  Camões

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Quingentésimo ano (253)

por cheia, em 09.09.24

Quão cedo te roubou a Morte dura,

Ânimo ilustre, a grandes  cousas dado,

Deixando o frio corpo assim lançado

Em estranha mas nobre sepultura!

 

Desta vida de cá, quepouco dura,

Todo de sangue imigo já banhado,

Por  mão de teu valor foste levado

Aos campos da imortal vida segura.

 

O esp`rito  goza da ditosa idade,

E o corpo, mãocabendo cá na terra,

Às aves que o levassem se entregou.

 

Deixaste a todos mágoa e saüdade;

Buscaste morte honrosa em dura guerra,

O tejo deu-te e o Ganges te levou.

Luís de Camões

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publicado às 07:49

Quingentésimo ano (252)

por cheia, em 08.09.24

Onde acharei lugar tão apartado,
E tão isento em tudo da ventura,
Que, não digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?

Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitaria, triste e escura,
Sem fonte clara, ou placida verdura;
Em fim, lugar conforme a meu cuidado?

Porque alli nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente.

Que, pois a minha pena he sem medida,
Alli não serei triste em dias ledos,
E dias tristes me farão contente.

Luís de Camões

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publicado às 08:04


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